terça-feira, agosto 31, 2004

Diga "Basta!"
Por que é necessário ser feliz? A felicidade parece ser a própria fonte da felicidade, e exatamente por isso é impossível de ser atingida por aqueles que não são felizes. Ela é uma afronta a nossa livre escolha de estado de espírito. O mundo que nos cerca é frio e nos agride constantemente. Então olham em seus olhos e dizem: “Você deve ser feliz”, ou “você não pode ficar triste”. Devemos ser felizes como se ser triste fosse proibido. Então devemos tirar nosso ânimo do esgoto e falsear um determinado sentimento, que não queremos sentir, em prol dessa simples regra insana. Abandonem a felicidade para aqueles que realmente a querem, e deixem que a tristeza ande lado a lado com a alegria. Deixem que o espírito escolha livremente a qual estado pertencer. A felicidade é uma ditadura. Liberte seu humor para aquilo que lhe convém, e esqueçam das pessoas felizes que vomitam regras abstratas e subjetivas de como ser feliz. Como farinha do mesmo saco, tratamos a felicidade como um bom sentimento, assim como a tristeza é ruim. Nossas posições ignorantes são imposições. Deixe fluir seu sentimento entre um e outro, e que o estado de espírito voe solto conforme ele mesmo, conforme sua vontade, suas escolhas: a verdade. Declaro a morte da necessidade de alegria em nome da livre movimentação de nosso humor, ou seja, da livre movimentação de nós mesmos.

domingo, agosto 29, 2004

Solidão


A sua existência se transformou em pó. O resto, que voa com o vento e ainda é visível, logo sumirá. Como você, na sua ausência permanente e inexplicável. Choro agora, não por pena de mim ou simples tristeza, mas é que esse mesmo pó agora me incomoda os olhos. Basta apenas piscar um pouco, e o que me atrapalha não será sequer lembraça, por ser totalmente insignificante. Enfim, é assim sempre e nada mais.

sexta-feira, agosto 27, 2004

24
O tempo sempre passa. De vez em quando dá algumas voltas, e alguns números se alteram e ficamos sem saber o que fazer. Quando damos conta já entramos na era dos dois dígitos, e quando menos percebemos já estamos no fim de nossa juventude e entrando na idade adulta, mas não menos chatos por isso. Muito pelo contrário. O ser humano tem o direito de escolher a sua própria insanidade. Andar nu pelas ruas ou ir trabalhar engravatado, qual a diferença? Rir de piadas bobas ou ficar sério o tempo todo, quem se importa? Todos somos loucos, todos queremos ser loucos. Ausência das roupas, mas principalmente das idéias, dos preconceitos, da criatividade, do senso estético, do humor, do mau humor, etc. Presença pura de roupas, de idéias, de preconceitos, de criatividade, de senso estético, de humor, de mau humor, etc. Eu pontuo a necessidade de ficar velho para perceber que o nosso próprio relativismo é fruto de uma questão absoluta. A incoerência de nossa postura é o que nos faz cair em nós mesmos. Não há respostas fáceis, não há dúvidas inteligentes. No entanto os dígitos continuam se alterando, e os dias ficando mais difíceis e longos... Como esse, igual a todos os outros.

quarta-feira, agosto 25, 2004

?

Não sei mais. Minhas crenças em nossas chances são minúsculos pontos de interrogação. Meu desejo é conseqüência de seu encanto, mas é causa do meu sofrimento. Em tamanha ambigüidade, ficamos juntos, mas sem nunca ficarmos juntos realmente. E a cada dia você caminha, com seus passos certos diante de amores infláveis, se escondendo da pureza dos meus desejos concretos. Só assim, impura, posso te ter. Chega a dar ânsia, eu, o porco deprimido. Você, suja, porém bela e minha. Em mim. A contradição ferve ainda mais meu corpo. Olhar o espelho não me diz mais nada. Tudo é pouco e sempre será, enquanto você estiver distante. Pensamentos e lembranças. Somente vejo você entrar no labirinto de cacos de vidro. Eu me corto tentando te salvar. Ainda há dúvidas. Elas nunca irão embora... Mas eu sei que um dia você vai. Com ele? Tanto faz. E eu? Tanto faz.
Galeria

Dali

segunda-feira, agosto 23, 2004

Impossibilidade de beleza interior

O assunto por si só é fascinante. Comumente nos deparamos com essa expressão, mas o que seria precisamente essa tal de beleza interior? Que espécie de bicho sinistro, que nos ronda como se fosse rato de esgoto, está sempre presente na nossa inútil busca pela beleza interior? Certamente as questões levantadas são tão estranhas quanto a própria expressão cotidiana, mas o devido olhar especulativo ajuda a elucidar essa questão, inclusive desvendando o mistério: o que é a beleza interior? A resposta para essa questão é nosso principal objetivo.
É necessário abordar devidamente essa expressão naquilo que ela nos mostra sem nenhum obstáculo. Em primeiro lugar podemos abordar a idéia de “beleza”. É inegável que essa expressão é responsável pela deterioração da beleza propriamente dita, dando uma idéia distorcida daquilo que vem a ser belo. Ao nos deparar com qualquer objeto, seja ele uma obra de arte elevada ou apenas obra da natureza, podemos julgá-lo de belo ou não, conforme os gostos de cada um. A origem desse julgamento não nos interessa aqui, mas é fato inegável que todos possuem os seus, ou seja, a beleza está constantemente influenciando nossos julgamentos. Mas mais precisamente como percebemos uma determinada beleza? Como ela nos atinge? Pelo empirismo isso se torna evidente: é necessário que tenhamos uma abordagem do objeto julgado através de nossos sentidos. Somente assim podemos dizer que um determinado quadro ou escultura é bonito. Assim também dizemos que algumas obras literárias são bonitas, pois as mesmas nos fornecem imagens, incentivam a nossa imaginação, e criamos cenas em nossas mentes que parecem bonitas aos nossos olhos, seja pela situação na qual o ator nos coloca ou pelo ambiente que o mesmo descreve.
Posto que o belo tem essa necessidade de tocar nosso sentido, partimos agora para a análise do termo “interior”. Dado que o senso comum nos diz que o interior é uma espécie de “subjetividade do outro”, e esse outro pode ser qualquer pessoa, partimos da ilusão já posta pela ignorância comum que o mundo é divido entre “dentro” e “fora”. Claro que essa visão de mundo é relativista, por representar uma visão subjetiva pura. Não tocaremos na complexidade desse assunto, pois o objetivo aqui é outro. Também não podemos negar que aquilo que comumente conhecemos como “interior” é algo completamente escondido, se revelando de algumas formas abstratas e perdidas durante uma relação qualquer. Conhecemos as máscaras dessa interioridade, ou seja, pequenos sinais que são projetados de “dentro” para “fora”, que são reflexos daquilo que uma determinada pessoa é por essência. De fato, ao nos deparar com esses sinais, sejam qual for, montamos uma determinada idéia a respeito dessa pessoa. Se antes ela nos parecia feia, e nos desagradava olhar para ela, agora já é possível olhar sem notar essa feiúra, pois os “sinais internos” são visivelmente atraentes, e são eles que nos fazem sentir bem. Doce ilusão acreditar que a conseqüência de um fato aparente são características verdadeiras, já impostas por um senso comum caótico, baseado em morais questionáveis e hipócritas.
Levo em consideração o seguinte ponto: de fato podemos nos acostumar com uma pessoa, mesmo ela sendo feia, desde que possua as características “internas” que nos agrade. O contrário também parece verdadeiro, quando nos deparamos com uma pessoa bonita, mas que não nos agrade intelectualmente ou moralmente, então passamos a achá-la feia. Isso é uma ilusão criada pela mistura irracional de nossas percepções. A interioridade aqui descrita, que é a do senso comum, é essa essência que só conhecemos por mediações. Ela mesma, a dita essência, a interioridade, ou qualquer que seja o seu nome dado pela mediocridade intelectual, nunca será tocada pelos nossos sentidos. Em outras palavras, não podemos nunca olhar para a essência de uma pessoa, não podemos tocar, cheirar ou analisar sua forma, se é grande, pequena, etc. Ora, dado que a beleza possui a característica de representação harmônica das percepções (forma, cor, volume, cheiro, som, etc) e dado também que é impossível que a interioridade chegue a essas percepções (ou vice-versa), a própria afirmação de que existe uma beleza interior já é por si só contraditória. Em outras palavras, a resposta para nossa questão já chega na simples análise das palavras que compõem a própria expressão analisada: contradição.
Mas como explicar então que uma pessoa feia pode se tornar bonita, enquanto que uma bonita pode se tornar feia, dependendo do grau de compatibilidade entre nossas condutas (sociais, morais, intelectuais, etc)? Essa é apenas uma ilusão criada pela nossa dificuldade de compreender que nos relacionamentos humanos, apesar de estarem em jogo várias características, sempre tendemos a polarizar aquilo que é uma coisa só, e a dividir (em “externo” e “interno”) essa mesma coisa que é única. Uma pessoa feia é feia, e ela não fica bonita somente por que nos agrada. Sim, ela nos agrada, e não sentimos mais repulsa ao olhar para sua cara ou rosto sem harmonia, sem beleza, pois o que determina se uma relação vale ou não a pena não é o “interior” isolado, da mesma forma que não é a “beleza” isolada que sustenta uma determinada relação. Atribuir a uma relação somente a “interioridade” ou somente a “beleza”, nos dois casos, é um erro comum, porém grave, que nos leva a cair sempre nas mesmas expectativas frustradas. O conjunto do todo, o ser único, feio e agradável, feio e desagradável, belo e agradável ou belo e desagradável, é o que faz de nosso julgamento sobre ele o mais próximo da verdade, sem dividi-lo em análises ambíguas a respeito de sua essência ou se sua aparência, pois as duas são a mesma coisa. Enfim, a expressão beleza interna é uma contradição criada pela necessidade do senso comum de definir aquilo que idealmente deveria ser em detrimento daquilo que realmente é, e por isso essa expressão não passa de uma definição para algo que não existe, e por isso vazio.

domingo, agosto 22, 2004

Apenas mais um sem dizer nada

Olá. Qual seu nome? Jura? Eu também! Não, não. Quem me dera se fosse assim. Não, não fique assim. As coisas vão melhorar... Agora não, mais tarde só. Não posso, tenho um compromisso. Não é desculpa. Eu também te amo. Quem diria, desse jeito? Não acredito, como que pode? Sempre, no final sempre as coisas dão certo. Parabéns! Você merece! Eu sei que sim. Não se sinta desse jeito, é apenas uma fase. Sabe como é, não dê bola para o que outras pessoas pensam de você. A vida é cheia de etapas, e algumas delas são bem difíceis, mas eu sei que você consegue superar. Sinto muito, sinto mesmo, mas não posso te ajudar. Bem que gostaria... Agora não. Agora não. Bem, fazer o quê?

sábado, agosto 21, 2004

Lições de vida

01) Seu trabalho nunca é suficiente;
02) Seu salário nunca é suficiente;
03) Sua boa vontade nunca é suficiente;
04) Sua sabedoria nunca é suficiente;
05) Seu senso de humor nunca é suficiente;
06) Sua paciência nunca é suficiente;
07) Sua dedicação nunca é suficiente;
08) Seu interesse nunca é suficiente;
09) Seus amigos nunca são suficientes;
10) Seus amores nunca são suficientes.

De alguma forma ainda vale a pena.

sexta-feira, agosto 20, 2004

Capítulo 10

- Como assim o quarto é o mesmo?
- Não vê? Não adianta abrir portas...
- Não adianta correr em direção ao nada?
- Não, não adianta nada disso. A moral da história é essa, não importa o que fazemos, sempre será isso.
- Esse retorno eterno. Posso entender, mas é difícil aceitar.
- Claro, sempre tentamos explicar tudo, e é isso que estamos tentando fazer agora, mas será realmente necessário ou até mesmo suficiente?
- Suficiente? Como assim?
- Essa tentativa de dizer o que acontece, de colocar o inteligível como sendo a fonte descobridora de todas as causas para quaisquer efeitos.
- Meu... Do que você está falando?
- Apenas que nada mais que pode acontecer agora impressiona, pois as leis são ilusões nas quais acreditamos cegamente...
- Não é bem assim. Existe um universo inteiro de possibilidades, e todas elas são levadas em consideração quando analisamos alguma situação, como esse quarto, por exemplo.
- É apenas um quarto.
- Não, não é apenas um quarto. É um símbolo.
- Símbolo do quê?
- Ainda não sei.
- Então como sabe que ele representa alguma coisa?
- Quem disse que todos os símbolos devem representar alguma coisa?
- Não? Salve engano acredito que não existe símbolo sem o que simbolizar...
- Será mesmo? Ou seria essa apenas mais uma lei em que acreditamos cegamente?
- Não sei ao certo...
- Foi o que você acabou de dizer.
- Isso eu sei, mas existem coisas absolutas, e talvez essa simbologia seja uma delas.
- Quanta besteira! Esse quarto não é absoluto.
- Não conseguimos sair dele...
- E daí?
- O que pode ser mais absoluto?
- Talvez... Talvez. Quem sabe esse quarto não seja o símbolo do absoluto?
- O absoluto pode ser simbolizado?
- Não sei, mas o fato é que existem certas coisas das quais é impossível fugir.
- Como o quê?
- Esse quarto, o absoluto, talvez...
- Mas a gente precisa sair daqui.
- Ou seja, precisamos escapar de um lugar que não há como escapar?
- Transpor essas paredes, essas janelas. Até mesmo esse corredor infinito, que sempre irá voltar ao mesmo ponto. Precisamos sair daqui.
- Mas como?
- Talvez existe um jeito de mudar isso, de não retornar sempre ao mesmo ponto. E eu acho que já sei como...
- Mas como?
- Tudo está no modo como olhamos para esse quarto, como o vemos. Estamos nele agora, isso é um fato, mas estamos nele por realmente pensar que dele queremos escapar. Ele será sempre o nosso fim, enquanto ele estiver em nossas mentes como sendo aquilo que não queremos.
- Uma espécie de negação do quarto?
- Mais ou menos. Negamos o quarto, mas o quarto negado sempre estará ali, nos atormentando. Simplesmente negar, fugir, tentar escapar, não é suficiente, pois o quarto sempre estará sendo negado, sempre fará parte de nosso objetivo, que é ficar distante de nós.
- Mas como escapar de um lugar sem negá-lo? Sem essa idéia de que queremos sair daqui como podemos efetivamente sair daqui?
- Será que podemos sair daqui mesmo?
A multidão ia a loucura. Milhares de pessoas saldavam os bravos senhores que expulsaram os invasores de nosso planeta. Cidades não iam ser mais destruídas, e de quebra ainda traziam muitas boas novidades. O início de uma nova era. A chave da felicidade. A chave da tristeza. Tudo estava nesse simples gesto, nesse simples olhar. Tudo aquilo que a humanidade havia perdido, mas que agora iriam dar o devido valor. Um novo tempo foi inaugurado, um tempo de grandes perspectivas, de grandes feitos. Onde tudo o que é importante é uma busca incansável por esse sentimento, mas sem objetivos.
- Mas... E a Cris?
- Quem se importa? Agora, para mim e para você, ela virou um passado. Mas nesse ponto, depois de perceber precisamente isso, não iremos mais retornar.

FIM

quinta-feira, agosto 19, 2004

Capítulo 09

- Está demorando demais! Nunca vamos chegar?
Eu também estava transtornado com o tanto que havíamos caminhado até aquele momento. Estava cansado de tanto andar e nunca chegar a lugar nenhum. De repente avistamos algo, como se fosse um sonho que chega ao fim, ou melhor, um pesadelo. Havia ao longe o que parecia ser uma porta, e animadamente caminhamos em direção a ela.
- Estão vendo essa porta? – Apontava a tal de Cris, como pediu para ser chamada, para a porta por onde havia entrado – Esta porta, senhores, esconde o maior segredo de todos os tempos, aquilo que irá mudar o curso da humanidade.
E aqueles senhores permaneciam imóveis, como estão a alguns capítulos já, apenas observando e analisando. Sentiam-se inúteis, pois não tinham a liberdade de expressar as suas opiniões ou, quem dera, fazer alguma coisa para mudar a situação no qual se encontravam. Cris estava radiante, como uma criança que sabe de um segredo de seus pais, e seus pais não sabem que ela sabe tal segredo. Ela continua:
- Mas não posso entregar de mãos beijadas, sem ter nenhuma recompensa. Afinal de contas, não é só de boa vontade que gira o seu mundo.
Inúmeras perguntas eclodiam das frágeis mentes daqueles sensíveis senhores. Quem diria? Ninguém, mas ela continuou:
- Agora vocês têm a permissão para falar. Eu não direi mais nada além do que me perguntarem. Já sabem o suficiente.
Todos hesitaram, olhando entre si. Um deles então resolve colocar fim naquele silêncio:
- Quem é você?
- Pode me chamar de Cris, já disse!
- O que você pretende aqui?
- Pretendo inaugurar uma nova era.
- Como você pretende fazer isso?
- Colocando de volta aquilo que lhes foi retirado faz muito tempo.
- E o que foi retirado de nós há muito tempo?
- Aquilo que vocês, todos vocês, mais sentem falta!
E então houve apenas o silêncio. Aqueles senhores permaneciam pensativos, tentando desvendar aquele mistério. Arrancar respostas dela não seria fácil. Pelo menos não os que eles gostariam de saber. Então um deles tomou a devida coragem:
- Quero ver o que está por trás da porta.
- Isso não é uma pergunta, como posso responder?
- O que tem atrás da porta?
- Veja você mesmo.
A Cris vai até a porta e coloca a mão na maçaneta. Todos tremiam enquanto Cris os observava com um sutil sorriso em seu rosto. Então ela puxa a maçaneta, abrindo a porta revelando o que tanto queriam ver. Todos os senhores abriram um sorriso, e balançaram a cabeça. Sim, era o que eles, todos, incluindo nós, haviam perdido.
Na medida que íamos se aproximando a porta foi se revelando. Não estava fechada, estava aberta. Não parecia estar muito claro lá dentro, mas não me importei e continuei avançando, puxando aquela jovem junto comigo.
Sem pensar duas vezes entrei com tudo dentro do novo cômodo, e caí de joelhos cansado de tanto andar e decepcionado com onde havíamos parado. Era o nosso quarto, meu e dela, o mesmo, exatamente como havíamos deixado. Olhei para a cortina improvisada, e ela estava do mesmo jeito, sem nenhuma alteração. A cama, o cheiro, os armários... Até mesmo a porta, por onde eu acabara de entrar, estava aberta da mesma maneira que eu havia deixado. Eu não sabia que isso ia acontecer, eu estava enganado!
- O que aconteceu? – E ela colocou a sua mão em meu ombro quando fez essa pergunta.
- Não percebe? De nada adiantou!
- Como não?
- O quarto é o mesmo!
- Como você sabe? Pode ser uma cópia do que acabamos de deixar lá atrás.
Não havia pensado nisso. Poderia ser um outro quarto, uma outra coisa, com as mesmas características, com os mesmos objetos, mas diferente! Mas não era possível. Olhando em volta, a posição da janela, a janela por onde aquela penumbra entrava, tudo estava tão perfeitamente idêntico ao que eu havia deixado.
- Cadê a Cris?
- O quê?
- Você disse que íamos encontrar a Cris, onde ela está?
Sim, eu havia me esquecido de ter dito isso a ela. De que importa agora?
- Ela é isso – E eu abri os braços mostrando o quarto.
- Cris é o quarto?
- Não, Cris é isso. É esse vazio, esse nada mergulhado na penumbra, esse retorno eterno ao mesmo ponto.
- Não, Cris é uma pessoa, tem nome de pessoa, e eu lembro dela, lembro do rosto dela...
- Então como é o rosto dela?
Silêncio. Ela não conseguia me dizer. Não sabia, ela tinha uma forma, ela tinha uma idéia do que a Cris seria, mas não conseguia dizer.
- Está vendo? Não é tão simples... Amar não é tão simples. Ser feliz não é tão simples. Nada é simples!
Ela sentou na cama olhando o quarto. Transtornada, visivelmente transtornada. Quem me dera poder explicar melhor, poder explicar que todas as nossas definições não são repetições de conceitos, que isso é nossa ilusão, que o próprio tempo é uma ilusão. Era o mesmo quarto, não poderia ser diferente. Se fosse outro, com os mesmos objetos, não faria sentido. E eu disse isso para ela:
- É o mesmo quarto, não poderia ser diferente. Se fosse outro, com os mesmos objetos, não faria sentido.
Ela olhou para mim com raiva. Levantou e saiu correndo por dentro do corredor, ou por fora, era a mesma coisa. Sentei na cama e esperei. Esperei vários minutos, talvez horas, e ela entrou pela porta visivelmente cansada e assustada com a minha presença. Ofegante, ela não conseguia falar, apenas chorava... Sentou no chão, distante de minha presença, e chorava bastante, percebendo que eu estava certo, que era o mesmo quarto, nunca o havíamos deixado e não havia saída.

quarta-feira, agosto 18, 2004

Capítulo 08

No começo não havia nada, mas o nada é o próprio começo. Não que eu queria me identificar com alguma coisa, longe disso, com algum desses pensamentos abstratos. Quero as coisas concretas, as coisas que podemos tocar e perceber com nossos sentidos. Um cheiro de fezes percorria o corredor enquanto caminhávamos lado a lado. Não queria mencionar nenhuma palavra, mas eu sabia exatamente o que aconteceria. Claro, não era a primeira vez. O que ela não sabia, e o que pode parecer ainda mais confuso, é que ela também não sabia que não era sua primeira vez. O corredor ficava mais escuro a cada vez que entrávamos nele. Ficava cada vez mais difícil entrar nele. Meus pés começaram a doer.
Não contei o tempo que ficamos andando. Janelas de vidro, impossíveis de serem abertas por fazerem parte da própria parede, deixavam o corredor com um ar mais pesado, porém fresco. O ar deveria entrar por algum lugar, mas nunca tinha descoberto por onde. Eu sempre pensava nisso e suspirava. Então ela disse:
- Não adianta suspirar, você nunca vai saber.
- Saber o quê? – Perguntei achando que ela tinha o poder de ler mentes, o que não seria impossível.
- Para onde estamos indo...
- Mas eu sei para onde estamos indo.
Era mentira, mas serviu para ficarmos em silêncio por mais um tempo. Aquele olhar, de braços dados, ela tentava com todas as suas forças ler minha mente. Eu sabia que ela conseguiria mais cedo ou mais tarde, mas não queria que fosse agora. Eu tinha que distraí-la, fazê-la pensar em outras coisas. Ela não poderia se concentrar, não antes de chegarmos. Sim, eu não sabia para onde nós estávamos indo, mesmo tendo feito isso milhares de vezes, mas eu sabia o que ia encontrar. Em minha mente isso faz muito sentido, mas para desviar a atenção eu apenas mencionei:
- Vamos onde está a Cris.
Ela sorriu para mim, e eu podia ver o brilho em seus olhos. Claro, a Cris. Eu queria perguntar para ela sobre a Cris, sobre a Cris dela, a minha eu já sabia o suficiente. Mas ela ainda estava na ilusão que as coisas são iguais para todas as pessoas, incluindo as pessoas que conhecemos. Agora era tudo diferente. Ela realmente encontraria a Cris no final de nossa jornada, e isso era certeza. Mas ainda temos muito tempo até chegar lá, pois o fim do túnel só aparece quando a gente realmente quer que ele apareça. Agora eu me questionava se devia realmente ter aberto aquela porta.
Todos olharam para o sinistro ser que entrava na sala suja. Aqueles senhores estavam em pé, tremendo de medo, e ele entrou acompanhado de mais alguns seres igualmente sinistros. Vestiam roupas escuras, e tinham a forma humana. Duas pernas, dois braços, tronco, cabeça... Apesar de cada centímetro estar coberto. Enfim, no geral poderíamos dizer que eram seres humanos, mas que apenas usavam roupas estranhas. Aqueles senhores tinham certeza que encontrariam uma forma nunca antes vista debaixo daquelas roupas estranhas. Nossas certezas sempre são frágeis.
Não falaram nada. Se aproximaram um pouco e fecharam a porta por onde haviam entrado. Alguns instantes se passaram e então um deles acendeu a luz do quarto. Não eram roupas tão estranhas. Pareciam que usavam capacete. O primeiro, que parecia o líder, começou a tirar seu capacete preto.
“Impressionante!”, foi o que pensaram todos aqueles senhores. Era um ser humano, e eles respiraram aliviados. Mas ainda estavam perplexos, pois era mais que um ser humano: era uma mulher. Uma linda mulher. Um desses senhores menciona:
- Que alívio! Pensei que fosse encontrar um monstro terrível!
- Silêncio! – fala a suposta líder, com voz firme e doce ao mesmo tempo – Nós temos muito a conversar, e eu sei que todos estão cheios de perguntas, mas no momento somente eu vou falar, entenderam?
Todos balançaram a cabeça concordando. O senhor que ousou mencionar as primeiras palavras já estava encolhido e se perdia no meio dos outros. Quantos eram? Não importa. Pareciam todos iguais... Voltaram a temer, pois os outros seres sinistros do quarto não haviam retirado o capacete, por isso era ainda impossível ver se eram realmente humanos. Então ela disse:
- Desculpem! Antes de tudo peço desculpas aos senhores. Por tudo... Mas logo vocês vão entender – E todos se olhavam, afinal de contas era para isso que eles estavam ali – E vocês podem me chamar de Cris...

terça-feira, agosto 17, 2004

Capítulo 07

O cômodo daquela casa velha e suja estava escuro. Seres sinistros rondavam a casa portando armas estranhas, nunca vista antes por nenhum ser humano. A cidade estava deserta. Ou pelo menos era isso que eles queriam que a gente achasse. O calafrio corria na espinha daqueles senhores que acabavam de chegar nessa cidade. Cruzando as ruas em um mini-ônibus blindado, eles estavam sentados em silêncio. Olhavam pela janela e ainda era possível ver alguns restos de carne humana em decomposição. Ninguém ousava mencinar uma palavra. Ninguém sabia o que os esperava. Ninguém sabia se poderiam se esperados de volta. Todos pensavam inúmeras coisas, e a maioria envolvia suas possíveis mortes.
Dias haviam passado desde que a última cidade foi atacada. Depois dela não houve mais nenhuma destruição, e tudo estava em um silêncio mórbido. Templos religiosos estavam completamente lotados. Alguns agradecendo por terem suas vidas poupadas, outros fazendo preces para os que não tiveram tanta sorte. Um clima de união tomava conta de cada ser humano, que não pensava duas vezes antes de ajudar quem precisava, independete de qualquer coisa, bastava ser humano. Talvez aqueles senhores do pequeno ônibus pensassem nesse assunto, mas era impossível dizer, pois o motorista estava estacionando na porta daquela casa, que tinha cômodos escuros e sujos, porém não desertos.
Os senhores desceram do ônibus e caminhavam lentamente em direção a porta principal da velha casa. Vultos com formas humanas, porém com roupas escuras e aparentemente pesadas, como se fossem armaduras, pararam imediatamente ao primeiro contato visual. Eles iriam morrer, só nisso que pensavam agora. Armas foram apontadas, e todos levantaram as mãos. Passaram alguns segundos se observando, tentando imaginar o próximo passo, mas era tudo muito confuso. Foram conduzidos para dentro da casa, que rangia aos passos de seus sapatos de couro, o mais caro que poderiam ter encontrado.
Chegaram a uma sala sem surpresas, escura e suja. Não havia lugar para sentarem. Além da porta por onde entraram havia mais outra, do lado oposto do cômodo. Permaneceram em pé, olhando um para a cara do outro, sem saberem o que falar, ou até mesmo se poderiam falar. A porta do lado oposto da sala começou a abrir.
Ela estava sentada na cama, séria. Nunca gostei de ver ela com aquela expressão, o que me dava muito medo. Ela olhava para fora, para o corredor. Eu olhava para ela e para o corredor alternadamente. Milhões de pensamentos estavam passando pela cabeça dela naquele momento, eu tinha certeza disso. Pelos olhos eu poderia ver, pois não focavam nada em especial, como se toda a sua luz estivesse voltada para dentro, para sua mente, e não para as coisas externas. É engraçado ver alguém nesse estado. Até pensei em falar alguma coisa para quebrar o gelo, mas tinha medo de sua reação. Depois que a janela já estava com cortinas nada mais poderia ser previsto. Tudo mudou, até mesmo eu. Mas depois daquele beijo, ou seja, depois de ter aberto a porta, voltei com meu problema inicial: a confusão. Inúmeras perguntas saltavam e brincavam na minha cabeça, como se fossem donas da situação. Acho que ela estava sentindo a mesma coisa.
De repente ela se levanta e passa a andar de um lado para o outro. Eu ainda estava em pé, não havia alterado a posição de nenhum músculo da cintura para baixo, pois não era necessário. Ela olhou mais uma vez para fora e disse hesitando:
- Acho que sou eu que tenho que ir...
Olhei sem surpresa, pois nada mais parecia me surpreender agora. O corredor ainda estava obscuro, e não era possível ver onde ele terminava, se é que terminava. A idéia de um corredor infinito... Caminhar para chegar ao fim, mas não existe fim. Então eu perguntei apontando para o corredor:
- Você sabe até onde vai dar?
- Não, não sei...
- Então como você sabe que é você quem deve ir?
- Não, eu não sei!
- O que você sabe?
- Que nada sei.
Sorri pensando que, apesar de idêntico, duvido que Sócrates tenha dito isso na mesma situação. Se é que ele realmente disse isso. Ela olhou para mim e a expressão pensativa passou. Arregalando os olhos e sorrindo ela disse:
- Qual é a graça?
- Nada.
- Como nada?
- Nada, eu pensei em Sócrates.
- Talvez seja isso.
Fiquei quieto fingindo entender alguma coisa. Finalmente trabalhei alguns músculos das pernas e fui até a porta, mas sem sair do quarto. Ela se aproximou de mim e pegou em meu braço. Ela tremia um pouco. Eu disse:
- Eu vou com você.
Ela sorriu novamente para mim, agradecendo. Como eu a amava, era impossível ser diferente. Seus olhos eram lindos, ela era tudo para mim. Então ela disse:
- A Cris vai ficar muito chateada com isso tudo...
- Com o quê?
- Com o beijo ora, seu bobo!
Cris? Sim, ainda tinha a Cris. Essa é uma parte que eu ainda não havia descoberto. Mas, já havia descoberto alguma coisa? Quase impossível. Então eu disse:
- A gente dá um jeito. Vamos?
Ela balançou a cabeça, confirmando que já estava pronta. Coloquei primeiro o pé para fora e a puxei comigo. Depois que já estávamos totalemente fora do quarto passamos a caminhar normalmente, sem hesitar, sem olhar para trás.

segunda-feira, agosto 16, 2004

Capítulo 06

Depois de muito lutar em meus pensamentos, olhei para aquela mulher e me levantei da cama. Nada poderia ser dito, por isso apenas estendi a minha mão delicadamente. Ela levantou os olhos úmidos e me encarou demoradamente. Eu sabia que ela não podia entender nada. A gente tinha que sair daquele quarto.

Olhando em seus olhos eu fiz um sinal com a cabeça para que ela ficasse afastada, pois eu estava preste a abrir a porta. Devagar fui girando a maçaneta, e aquela bela moça estava muito assustada e nervosa. Abri a porta totalmente, revelando o mesmo corredor que já havia visto, mas que agora parecia outro para mim. Estava escuro, e permaneci bons minutos olhando para aquela mistura de penumbra e silêncio.

A humanidade estava assustada. Não havia nada para ser feito, apenas esperar para o fim de nossos tempos. Nada ainda fazia sentido. Os motivos eram desconhecidos. Todos estavam cansados de tentar encontrar respostas, montar um determinado quebra-cabeças. Cada dia era uma novidade diferente, era uma estratégia diferente a ser utilizada. No final, quando muitas informações estavam juntas, a confusão tomava conta e ninguém sabia explicar mais nada.
Ainda estava em pé olhando para fora do quarto. Nada aconteceu, nem em mim mesmo. Resolvi colocar o pé para fora do quarto e antes de pisar no chão do corredor senti uma mão me puxando de novo para dentro. Era ela, sempre ela:

- Não, por favor, não faça isso.

Permaneci alguns instantes ainda olhando para fora. Me virei e encarei-a. Ela estava assustada e eu perguntei:

- Qual o problema?

Ela estava confusa, eu podia ver claramente em seus olhos. Ela hesitou muito, e no fim não me disse nada. Me abraçou apertado e encostou seus lábios nos meus. Um beijo molhado e demorado. A porta ainda permanecia aperta. Não conseguia entender, o beijo só poderia acontecer no final, quando tudo estivesse resolvido. É assim que acontece com todas as histórias de heróis, que vemos em filmes. Eu era o herói, eu deveria me dar bem no final. Mas ainda não estávamos no final, o que me deu calafrios, pois talvez o final não fosse bom. O beijo acabou assim que pensei nesse final. Ela ficou alguns segundos de olhos fechados, ainda em meus braços. Ela abriu os olhos e me disse:

- Desculpe... Eu... Não sei o que... Aconteceu comigo. O que está acontecendo aqui?

Era uma pergunta sem resposta, e eu tinha a clara noção disso. A porta ainda estava aberta, e eu podia sentir o ar do quarto sendo renovado. Pelo menos alguma coisa estava mudando, pelo menos isso.

Milhares de pessoas estavam morrendo todo dia.

sexta-feira, agosto 13, 2004

Capítulo 05

A penumbra tomou conta do quarto, e alguma confusão começou a tomar conta de minha cabeça. A luz não entrava diretamente, mas ela fazia a coberta brilhar, deixando todo o cômodo em uma espécie de sombra, e não na escuridão absoluta. Ainda podia ver nitidamente todas as coisas, embora tenha demorado alguns instantes para acostumar os olhos. Olhei para a moça, e ela parecia confusa. Nesse momento milhares de lembranças começaram a retornar na minha cabeça, e eu senti minhas pernas tremerem. Lembrava de tudo, de todos os motivos, do que estava fazendo alí, do que tinha que ser feito, de quem eu realmente era, tudo! Era brilhante, era genial. Eu não pude conter a alegria e sorri olhando para a moça. Sem medo disse:

- Agora sim!

Ela olhava para os lados assustada. E me encarava como se eu fosse uma espécie de miragem. Olhou rapidamente para os lados e se afastou de mim rapidamente, me olhando com pavor e exclamando:

- Se afaste! Se afaste! Eu te mato! Eu te mato!

Sabia que essa reação iria acontecer, pois agora tudo estava claro para minha cabeça. Ela fechou os olhos demoradamente. Sua cabeça estava confusa, e eu não tinha outro remédio a não ser fazer o que ela fez comigo. Sentei na cama enquanto ela se agachava contra a parede onde estava a janela agora coberta. Esperei alguns instantes até a respiração dela ficar mais próxima do normal e exclamei:

- Olhe, tudo está bem... Agora você precisa se esforçar um pouco e...
- Quem... Quem é você? O quê você fez comigo? Cadê a Cris?

O mundo estava perplexo. Outros países já tinham sido atacados pelos visitantes estranhos. Era impossível prever seus movimentos. O desespero da população era geral, e todos dormiam agora com um olho aberto e uma arma na mão. Boatos de invasões terrestres já circulavam pelos jornais e pela TV. Muitas lojas foram saqueadas, milhares de pessoas se deslocavam como baratas tontas, de um lado para o outro, a cada sinal de uma possiblidade de visita. A visita, como agora era chamado esses ataques. Nenhuma cidade conseguiu se defender. Mísseis já tinham sido usados nas cidades que portavam tal armamento, mas não surtiram nenhum efeito. Era como se eles absorvessem tudo, desde mísseis de alta tecnologia até vidas humanas... Cientistas tentavam se comunicar enviando em direção aos visitantes sinais em várias linguas questionando os motivos e pedindo explicações. Sempre sem respostas.

Ah, a Cris... Como uma pessoa tão importante para nós pudesse ser esquecida? Eu mesmo não havia me esquecido dela. Ela é a maior prova de que somos ainda seres vivos, de que batalhamos por aquilo que gostamos. Sim, somos dotados da capacidade de gostar. Enquanto ela perguntava pela Cris eu não podia fazer nada, pois de nada adiantaria, ela continuaria alí sentada e desesperada sem entender o que estava acontecendo. Mas um dia isso ia terminar, pelo menos era o que eu gostaria que acontecesse. Ela também, aposto, assim que soubesse, de novo, conforme tantas vezes, o que realmente acontecia com nós dois, quem realmente a Cris era. Um castigo digno de um mito grego, é verdade, mas não era tempo de reflexões filosóficas, mas de um pouco de ação. Sempre na medida certa.

Subitamente algo me ocorreu, algo que ainda não havia sido feito. Essa era a mulher que eu amava, que eu queria para mim... Ela era tudo o que eu precisava. Ela também tinha a sua Cris, e não sei se era correspondido quando as coisas estava invertidas, mas mesmo assim ela fez a opção e me deu a claridade da razão em detrimento da sua depriação mental instantânea. Será que ela me amava também? Ou seria um ato de covardia, por não saber como solucionar esse dilema? Ou simplesmente por preferir ficar assim, inconsciente da verdade... Não sabia o que fazer, mas necessariamente deveria ter uma solução. E se eu tentasse convencê-la das coisas sem abrir a cortina?

Então era isso... Sentado na cama senti o peso da consciência caindo sobre mim. As cortinas tinham sido arrancadas de mim, do meu quarto. Eu nunca iria poder ver novamente as coisas como estou vendo. Essa mulher, essa moça que não é mais estranha, que é o amor de minha vida, que é a minha Cris sem se chamar Cris, sem ter nome, ela fugiu, burlou as leis impostas a muito tempo atrás e me salvou desse brilho desfocado. Sim, era a prova de amor que eu necessitava, ela queria me dizer alguma coisa, algo que eu não pude compreender quando não estava em minha consciência plena. Sinais, ela deve ter dado sinais. Ela continuava sentada no chão, quase chorando, e eu pensava ao mesmo tempo que lançava olhares carinhosos, tentando dizer sem palavras para ela não se preocupar com nada. Um pista foi dada, e eu lembrei de cada segundo desde que acordei até o momento que ela disse: "A intensão é mais antiga que o fato".

quinta-feira, agosto 12, 2004

Capítulo 04

Realmente! Realmente! Tudo era verdade! Caí de joelhos no chão. Era impossível conter as lágrimas, que brotavam violentamente de meus olhos e escorriam pela minha face, pelo meu nariz, que já estava ficando vermelho. Coloquei as mãos no rosto, com a esperança mais íntima de que ela não fosse notar o meu desespero. A luz que vinha do sol e cruzava os vidros da janela me serviam de palco, como se eu fosse o ator e o mesmo sol fosse uma luminária barata colocada no pára-peito de algum teatro sujo de subúrbio. Ela estava em pé e olhava para mim. Eu não a via, mas podia sentir o peso de sua pena.
O tempo corria sem parar. Importantes personalidades discutiam as trágicas mortes. O saldo já passava de 4 pequenas cidades totalmente transformadas em cemitérios ao céu aberto. Estranhamente os animais de tais localidades não eram afetados... Somente os seres humanos, o restante dos seres vivos permaneciam vivos e sem alteração. As cidades atingidas não eram próximas umas das outras, mas as cidades vizinhas já começavam a ficarem vazias. Qualquer avião, qualquer balão ou instrumento metereológico já eram suficientes para deixar toda uma população em pânico. Pessoas iam para as cidades desvastadas recolherem os corpos dos parentes e amigos, e a televisão acompanha tudo, com seu habitual show de horrores. Forças armadas internacionais patrulhavam o céu do pequeno país, o único afetado. Por enquanto, como falaram aos microfones os especialistas.
Fiquei mais calmo, e olhei para cima para encará-la. Ela olhava para mim, uma mistura de nojo e pena. Enxuguei as lágrimas e me levantei. Ela disse com a mesma voz suave de antes:
- Não podemos deixar isso assim...
Era necessário fazer alguma coisa. Balancei a cabeça concordando com ela, e olhei em volta. Suspirei fundo para fazer a minha primeira pergunta, mas fui interrompido por ela:
- Fique calmo, não precisa ter medo. Vamos usar esse cobertor...
E ela apontava para o cobertor sobre a cama. Mas como prender no topo da janela esse pedaço de pano? Sim, o supórte já estava fixado na parede logo acima da janela, pronto para receber a vestimenta que irá apagar o sol e a lua, o dia e a noite. Irá isolar definitivamente o dentro do fora. Lá fora fazia sol, um sol bonito. Pensei em praia, pensei em campo. Admirava aquela luz, e sentia o calor de seus raios tocarem minha pele. Estava me sentindo confortável, quase feliz. Recebi um tapa:
- Mandei você ficar calmo!
Foi a sua única exclamação depois de me bater. Ela já segurava o cobertor nas mãos e dobrava calmamente de modo que bastaria colocá-lo sobre o suporte que ele iria pender na frente da janela, cobrindo-a totalmente. Não era necessário fixar, provavelmente a solução seria temporária... Quem se importa? Finalmente falei:
- Estranho essa janela não ter cortinas...
- Note que esse suporte já existia antes das cortinas.
- O que isso tem a ver?
- A intensão é mais antiga que o fato.
Fiquei atordoado. Era ou não era verdade? Ajudei a segurar o cobertor, e juntos fomos passando o pano pelo suporte, de modo que ele cobrisse totalmente a janela... A escuridão aos poucos foi tomando conta do quarto.

quarta-feira, agosto 11, 2004

Capítulo 03
Uma espécie de cheiro tomou conta do lugar. Ninguém sabia o motivo, mas o fato é que eles tinham vindo. Gritos de desespero começaram a ecoar pelos ares, e todo mundo corria do lugar. Em vão. Fatalmente ninguém sobreviveu para contar o que aconteceu.
A porta se abria lentamente, sem fazer barulho. Primeiro apareceu uma mão, e depois o restante do corpo foi se revelando. Não, não era a Cris. Como eu queria que fosse ela... Mas às vezes as coisas não são como a gente espera. Era a mesma mulher que estava me encarando, mas que depois sumiu. Ela abriu a porta completamente e ficou me olhando. Não desviei os olhos, iria grudar minha atenção, me concentrar. Ela não podia escapar de novo. Eu precisava de respostas, e os olhos dela se desviaram do meu, denunciando o medo de ouvir perguntas.
Reinava o silêncio. Na pequena cidade, a trágica morte de centenas de pessoas permanecia inexplicada. O exército foi consultado, mas sem sucesso. Havia relatos registrados, até mesmo em vídeo, denunciando uma espécie de OVNI nas redondezas, que era impossível ser identificado como sendo qualquer aeronave antes conhecida pelos seres humanos. Seus movimentos pelos ares também não eram comuns, precisos mas sem possibilidades de traçar uma tragetória definida. Como se estivesse perdido... A notícia já começava a se espalhar, e o pequeno país já recebia visitas internacionais para discutirem o assunto, na tentativa de desvendar o mistério de tantas mortes.
Ela estava olhando para o chão. Não queria fazer o primeiro movimento. Iria esperarar o quanto fosse necessário, mas não daria o primeiro passo. Ela entrou no quarto e fechou a porta com as costas, olhando para os lado. Olhou de novo para meus olhos. Permanecemos assim alguns instantes. Olhos escuros... Pele clara. Tudo nela me lembrava alguém. Não, não era a Cris. Ela suspirou mais forte, abriu a boca e disse com uma voz suave:
- Essa janela está sem cortinas...

terça-feira, agosto 10, 2004

Capítulo 02
Ao mesmo tempo um veículo não identificado sobrevoava aquela pequena cidade. Seus moradores não sabiam o que fazer. Assustados, ligaram para a polícia. Esta, por sua vez, não acreditou nos pedidos de socorro nada usuais. Declarações irônicas eram feitas na delegacia. Mas todos os moradores que viram tal objeto não desistiram. De armas em punho, saíram de suas casas e foram a campo aberto. Não iriam deixar suas terras sem derramar nenhum sangue por elas.
Todos tremiam de medo. O objeto não identificado era enorme. Sobrevoava toda a pequena cidade, várias vezes. A população se concentrava na praça, por onde o objeto passou a demorar mais tempo sobrevoando. Os policiais foram recebidos a pedradas, e nesse momento o objeto se aproximou mais ainda. Jornais e televisão já se chegavam aos montes, de todos os cantos, com o objetivo de tirar as melhores fotos e gravar os melhores vôos. Todos estavam prontos.
Ela continuava em pé na minha frente. E eu não sabia o que fazer. Tentei falar, mas as palavras não saíam. Tentei correr, mas minhas pernas não me respondiam. Nenhum movimento era possivel, como se o olhar dela me paralisasse. E ela finalmente fez um movimento, olhando para os lados, como se estivesse perdida. Senti que podia controlar meu corpo novamente. Assim que mexi os músculos de meu braço ela se assustou e caiu ao lado da cama. Na intenção de ajudar eu me aproximei, mas ela levantou o braço com a palma da mão estentida para mim, dizendo silenciosamente para eu ficar onde estava. Olhei para os lados, não havia mais ninguém lá. Olhei para a porta atrás de mim, que ainda permanecia fechada. O que será que estava acontecendo? Quem seria ela? Nunca havia visto na minha vida... Não era feia, não era bonita. Apenas uma mulher sentada... E, ao me virar, ela não estava mais lá. A janela sem cortinas não me denunciava nada. Eu não havia ouvido nenhum barulho.
O objeto não identificado se aproximou do solo. As pessoas que estavam a sua volta tremiam de medo e ansiedade. Eu permanecia atordoado, procurando embaixo da cama pela garota que acabou de sumir. A porta fez um barulho, alguém estava entrando naquele quarto. As janelas não tinham cortina. Todos estavam prontos.

segunda-feira, agosto 09, 2004

Capítulo 01
Acordei com uma vontade muito grande de aprender uma coisa nova. Quem sabe provar algum prato diferente? A sensação estava lá... Pisquei pela segunda vez e suspirei fundo. Não estava no meu quarto, estava em um lugar estranho. O sol forte batia na janela sem cortinas, já devia ser muito tarde. Olhei em volta, não reconhecia nada. Tentei lembrar o que havia feito no dia anterior. Tudo foi muito normal: Havia acordado na mesma hora de sempre, ido trabalhar, voltei para casa e dei um beijo na minha namorada e fomos para a cama. Fizemos amor como sempre, e deitei aliviado depois que meu corpo já estava satisfeito... E assim adormeci. E agora isso...
Fiquei desesperado. Levantei rapidamente procurando por alguma arma, pois para mim estava claro que eu havia sido seqüestrado. Iria me vingar! E a Cris? O quê haviam feito com ela? Eu ia me vingar... Mas depois olhei mais atentamente para o quarto onde me encontrava. Aquilo não parecia em nada com um cativeiro. A cama estava quente, era grande, de casal. Será que eu tinha feito besteira ontem e não lembrava? O armário estava fechado, mas era bonito e combinava com um sofá que estava na parede oposta à cama. Olhei para a minha roupa, e eu estava com o mesmo pijama que me lembrava de ter tirado quando estava excitado pelos toques sensuais da Cris. Não me lembrava de tê-los colocado... Repeti meu nome em minha cabeça, meu endereço, meu RG, o nome de minha mãe, de meu pai, de meus irmãos... Tudo estava lá, cada momento de minha vida estava claro na minha cabeça. Procurei por um relógio, e constatei em um ao lado da cama que já passava das 13hs. Perdi, pela primeira vez, um dia de trabalho... Será? Será mesmo? Comecei a ficar confuso e a andar de um lado para o outro.
O cheiro do lugar não era estranho. Me aproximei da porta e ela não estava trancada. Tentei olhar pela fechadura, mas alguma coisa estava bloqueando. E agora? Qual tática usar? Abrir de uma vez para causar surpresa e espanto e seja o que deus quiser? Ou abrir devagar na esperança de não ser percebido e poder voltar de onde vim para, quem sabe, elaborar uma outra estratégia de abordagem caso me deparasse com um estranho? Fiquei na dúvida, e não sabia qual dessas duas táticas eu costumava usar em situações como essa. Mas eu nunca estive em uma situação como essa antes... A porta continuava lá, fechada e aberta.
Girei a maçaneta devagar. Um corredor foi se revelando, aparentemente vazio. Estava meio escuro, mas logo notei uma janela que estava fechada. Fechei a porta novamente e me virei para fechá-la com os ombros... Levei um susto, pois havia uma mulher em pé ao lado da cama me olhando atentamente.

domingo, agosto 08, 2004

jogadas ao chão pela própria mãe
as folhas amarelas e vermelhas
passam pelos pés lentos e sujos
e de que adianta pensar nelas agora?
novas irão tomar os seus lugares
que cairão também e nunca se levantarão
deixando as mesmas saudades
com marcas da mesma sola...
mas agora elas correm livres
para o lado contrário do meu
formando em sua dança cotidiana
um arco-sorriso meio colorido
como se o adeus não fosse para sempre
e seus murmúrios estalados contra o asfalto
fossem risos contidos pelo medo de ofender
sem que nunca fossem uma única coisa
deixam meu mundo com seu balé triste e doce
como minhas más e boas lembranças
jogadas ao léu em ruas sem passantes

sexta-feira, agosto 06, 2004

Galeria

Abel - Blake

quarta-feira, agosto 04, 2004

Na Zona

Tenha certeza de que você sabe a verdade. Então, baby, me leve até lá, no lugar onde o amor é livre. Eu acho que estou pronto agora. Hoje a noite eu não quero explicar todas as coisas que eu tentei esconder. Eu quero estar na zona! Eu quero estar na zona! Está tão quente aqui... Hoje a noite meus sentidos não fazem muito sentido de qualquer forma. Me note. Pegue minha mão. Você é tudo o que eu quero, mas não assim. Deixe a festa começar. Não seja tímida, chegue mais perto. Vamos lá, uma vez, duas vezes, três vezes. Me leve para dentro, deixe sair... Dois corpos sincronizando. Está tão quente... Preciso de ar. Você está tão sexy! Levante do chão e balance a bunda. É quando a diversão realmente começa. Os corpos estão mexendo. Os corpos ainda estão mexendo. Mexa meu corpo a noite toda. Rápido antes que termine. Eu só quero ser feliz. Boom, boom, boom! Boa demais, para estourar a mente. Você tem alguma coisa a dizer?

(baseado no álbum "In The Zone" da Britney Spears)

terça-feira, agosto 03, 2004

Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo. É possível que se encontrem entre aqueles que compreendem o meu "Zaratustra": como eu poderia misturar-me àqueles aos quais se presta ouvidos atualmente? – Somente os dias vindouros me pertencem. Alguns homens nascem póstumos.
As condições sob as quais sou compreendido, sob as quais sou necessariamente compreendido – conheço-as muito bem. Para suportar minha seriedade, minha paixão, é necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas – e ver a imundície política e o nacionalismo abaixo de si. Ter se tornado indiferente; nunca perguntar se a verdade será útil ou prejudicial... Possuir uma inclinação – nascida da força – para questões que ninguém possui coragem de enfrentar; ousadia para o proibido; predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até agora permaneceram mudas. E um desejo de economia em grande estilo – acumular sua força, seu entusiasmo... Auto-reverência, amor-próprio, absoluta liberdade para consigo...
Muito bem! Apenas esses são meus leitores, meus verdadeiros leitores, meus leitores predestinados: que importância tem o resto? – O resto é somente a humanidade. – É preciso tornar-se superior à humanidade em poder, em grandeza de alma – em desprezo...
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, agosto 02, 2004

Leite Com Carne

É mais do que sua vida, é mais do que suicídio. Como se sente? Não tente vir me dizer suas mentiras patéticas, pois eu posso ver em seus olhos que você sempre será a mesma. A promessa de dor... Voltamos novamente ao início. Desculpas e dignidade negadas. Mas eu não faço muita coisa boa, ninguém se importa. Nenhuma explicação vai fazer isso parecer melhor. Eu me sinto sortudo e com medo ao mesmo tempo. E isso te ensinou a lição de como temer. Como você pode mentir? A vida parece vazia quando se vive na mentira... Algum dia isso vai te pegar de surpresa. Muita coisa mais para aprender. Acredite que tudo o que você sabe é tudo o que você lê. Tantas vezes eu tentei te trazer para cima e você me deixou para baixo. Quantas armas, de quantas você precisa? Não que eu me importe de qualquer forma...

(baseado nas letras do álbum "Leche con Carne" do No Use For A Name)