quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Bola de neve

- Ou seus amigos ou eu!

Seu olhar sangrento parecia daqueles generais que dão ordem aos soldados mais estúpidos. O bombardeio já tinha começado. Aliás, estava muito longe de terminar. Mas a raiva e o ciúme vestem suas roupas glamorosas de bordel fétido, dançam o pop chiclete e rebolam no colo dos clientes que bebem cerveja quente e cara. Impossível resistir, já tinha tomado conta, como um vírus desses filmes de ficção científica.

- O que eu fiz?

- O que você fez? O que você fez? Meu deus! O que você não fez?

Era claro como água mineral. O ódio tomou conta do coração, histórias foram criadas baseadas em julgamentos débeis. Tudo aquilo que fui deixei de ser em nome de outro desconhecido, outro eu, alguém que não existe... Mas dentro de sua cabeça.

- Imaginação fértil a sua!

- Tudo está claro! E depois a doente sou eu, não é?

A lógica não está na beira do non sense, é o próprio! E tudo aquilo que é bom ficou de um lado, não do meu. Eu, o culpado de tudo. Como sempre deve ser e como sempre foi.

- Chega!

Mas dessa fez o limite do amor próprio foi ultrapassado. Posso não ser aquilo que você quer, mas também não sou aquilo que você pensa. Mas quem sou eu para dizer alguma coisa? Mesmo as mais belas estrelas do universo acabam morrendo um dia. Enquanto continuo menor que um grão de areia.

- E aonde você vai?

- Embora!

- Volta?

- Não.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Correspondências

Compañero,

Grato por su opinión. Lo comunismo no sería lo mismo si en tu ayuda. Todas las palabras fueran ditas como la verdad, mismo las mentiras descaradas. Grato por eso también.

Su eterno compañero e con ternura,

Fidel

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Sombras sem cores

É simples sentar-se no fundo da caverna e ficar analisando as inúmeras sombras das coisas. É muito fácil, um comodismo medíocre, criar teorias que explicam toda a realidade unicamente dessa forma. Como se ali estivesse toda a história, como se tudo fosse pura verdade. Ignore o que está lá fora, ignore o mundo que está tão próximo... E viva feliz para sempre, sem ao menos se dar conta que suas sombras não têm cores.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Revolução Copernicana

Na física, Copérnico rompeu com mais de dez séculos de geocentrismo quando percebeu que a Terra não é o centro do universo, mas que ela gira em torno do Sol como os outros planetas do sistema solar. Como era natural, recebeu represálias da Igreja Católica.

Na filosofia, Kant chama de revolução copernicana as suas idéias em relação às anteriores. Para ele o conhecimento não é obtido passivamente pelo espírito (quem pensa em “espírito” como um fantasminha, por gentileza clique aqui), mas trabalhando os fenômenos da experiência e, usando as suas categorias, criando o próprio conhecimento e dando ordem ao mundo sensível. Em outras palavras: o mundo é como é porque você “percebe” assim, e não porque ele realmente é assim.

Ilusões são criadas toda hora. Pegue pequenos fatos isolados e una com preconceitos já estabelecidos para se ter a inegável clareza de que suas percepções são "pura verdade". E assim continue achando que a Terra é o centro do universo.

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

O melhor prato do mundo

Intocável, como o maior diamante do mundo que reside no fundo do oceano Atlântico. Uma teia de afirmações em torno daquele ponto-de-vista eternamente móvel. Mudanças bruscas de humor. Dúvidas. Leituras corretas, leituras erradas. Trair o próprio sentimento, trocar de roupa, pentear o cabelo e continuar com os pés descalços. Aventuras dignas de filmes de ação com a alma em pó. Deguste a minha angústia, as minhas dúvidas, a minha loucura. É tudo seu.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Tristão da Cunha – 4

Mike, filho do John, teve a cara-de-pau de aparecer por essas bandas depois de tanto tempo. Rapaz esforçado que conseguiu bolsa de estudos e era o orgulho do pai e, provavelmente, também foi orgulho da mãe. Mike era um antigo caso amoroso de Jane.

Caminhava tranquilamente dando uma volta no pé do vulcão adormecido. Sempre fui fascinado por vulcões, pois eles mostram a raiva que mora dentro da terra apenas quando entram em erupção. Como qualquer pessoa, a aparente calma é apenas superficial.

- Não acredito nisso! – era voz perturbada de Mike

- Acredite ou não, azar é o seu – respondeu Jane

Não me preocupo quando sou inconveniente. Para mim toda a existência desse povoado era representativa de absolutamente nada. Pelo contrário, até gostava de causar desconforto.

Quando me viram pararam de falar imediatamente. Sorri aquele sorriso sarcástico que é uma característica minha e Jane retribuiu olhando para baixo, ficando levemente rubra. Mike olhou sério para outro lado, como se buscasse não me encarar.

Continuei meu passeio tranquilamente e imaginei como seria bom se o vulcão entrasse em erupção naquele exato momento.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Tristão da Cunha – 3

Pouco depois que saí do banho eu ouvi duas batidas leves na porta. Finalmente deixei o quarto imundo que ficava nos fundos do barraco do John. Depois da mudança consegui passar mais tempo comigo mesmo, que foi o real objetivo de ter vindo para essa ilha.

- O... Oi...

Era a tímida Jane, com o rosto vermelho e usando um vestido de outono cafona. Conheci-a quando acompanhei o velho John a uma igreja protestante. Ela estava sentada junto à mãe, orando pelo falecimento do pai em alto mar.

- Aquele lá fugiu em um navio. Nunca foi homem de uma mulher só... – resmungou John durante uma de nossas conversas pesqueiras.

- Tome – Jane estendeu um pote de plástico contendo algo quente – Imaginei que... Enfim... Pudesse estar com fome – E deu dois passos para trás assim que senti sua mão trêmula tocar a minha.

Agradeci e ela sorriu com o olhar baixo, ficando ainda mais vermelha. Em outros lugares do mundo bastaria abrir um pouco mais a porta, pegar uma cerveja e logo já estaríamos dançando nus sobre meu colchão. Mas quanto menor a comunidade mais forte são os valores morais, essa peste imunda que corrompe os corações humanos, enchendo-os com podridão até a boca e não deixando lugar para aquilo que é realmente belo e verdadeiro.

Não pude deixar de sorrir na ilusão que Jane estava criando para si mesma enquanto jogava no lixo aquela gororoba fedorenta que ela havia me oferecido.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Tristão da Cunha - 2

No começo eu era o único forasteiro que havia conseguido permissão para morar em Tristão da Cunha, graças a influências que consegui junto com um rapaz que tratava de várias papeladas estranhas do Reino Unido. Uma ilha rochosa, com pouco menos de trezentos habitantes, de difícil acesso e isolada do mundo. Um lugar perfeito para uma alma atormentada, escolhido a dedo.

- Jonas, Jonas... Não tem jeito mesmo...

As palavras de Lígia ainda ecoavam na minha cabeça enquanto recolhia a rede de pesca do meu “mestre”. Em tempo: o único trabalho que poderia me trazer alimento é a pesca, porém eu não sabia pescar. Portanto eu tive que arrumar alguém que estivesse disposto a me ensinar tal ofício.

John era o responsável pela árdua tarefa de me ensinar trabalho braçal, não só a pesca como também marcenaria. Antes de me tornar um pouco mais experiente com a idade, ainda pouco avançada, eu sempre achei que trabalho braçal era para seres humanos que não tinham capacidade intelectual suficiente para executar a tarefa mais elevada do espírito: pensar. Quando os peixes começaram a cair na rede que eu jogava, ainda de forma desequilibrada, mudei um pouco de idéia.

O velho John era viúvo, tinha um único filho que estava estudando na Inglaterra e que mal se correspondia com o pai. Portanto não foi difícil ele se apegar a mim e fiz questão de me aproveitar da boa vontade do velho. O simples fato de trabalhar ao meu lado já trazia certo “status” para aquele idoso marinheiro, pois não é sempre que um brasileiro resolve montar residência por essas bandas. Em poucos dias todos já sabiam da minha existência e, de certa forma, me tornei uma celebridade. Então o velho também estava se aproveitando da situação.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Tristão da Cunha - 1

- Jonas!

O grito ecoou da minha janela no terceiro andar, quando eu já tinha acabado de colocar minha bagagem minimalista no porta-malas do taxi.

- Está esquecendo essa foto!

Era Adelaide, minha fiel empregada durante anos, que ainda estava com lágrimas nos olhos pelo destino que escolhi. No porta-retratos uma foto de Lígia.

- Não estou me esquecendo de nada, Adelaide. Obrigado!

Sorri tristemente ao mesmo tempo em que suspirava fundo. Bati a porta do taxi e acenei para Adelaide, que correspondeu pesadamente, como se não acreditasse na minha escolha.

Para minha alegria o motorista ficou calado todo o trajeto até o porto. Para onde eu ia não dava para ir de avião. E eu também não estava com humor para falar sobre os motivos da minha fuga. Sim, eu me considero um covarde, desses mais medíocres. Mas algumas fissuras são fundas demais. Tão desesperadoras quanto os terremotos que as criaram.

Peguei carona em um cargueiro que ia para a África, atravessando o Atlântico. Durante vários dias procurei esquecer o passado e não pensar no futuro.

Então finalmente cheguei lá: Ilha de Tristão da Cunha.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

The Zutons - How does it feel?

How does it feel to have love to have lost
And I know how to feel anymore?
And how many times do you have to be cruel to be kind
And show feelings the door?
Well isn't it strange how much you can change
in a year or a minute or more?
How can it go from so good to so bad
and my soul is now squished on the floor?

How does it feel
How does it feel
How does it feel
on your own and you can't even deal with yourself

(...)