quarta-feira, abril 28, 2004

baile mudo (fato verídico)
eles estavam no fundo do ônibus. não os notei quando fui até lá. assim que paguei a passagem fui buscar um lugar vazio, e só havia lugares disponíveis no fundo. e foi para lá que me dirigi. tinha lugar de costas para frente do ônibus. antes de sentar, mesmo com walk-man, pude notar que eles conversavam animadamente. não sei sobre o quê, não importa sobre o quê. eram 4. dois homens, uma mulher e uma garota. pela aparência não deveriam ser parentes. só eram gestos... e eu lá, sem ouvir nada a não ser a minha música. os gestos não paravam, e todos eles olhavam atentamente para o movimento do outro. muito bem coordenado. a música continuava, e os movimentos não paravam. eu sabia que eles não ouviam o que eu ouvia, eu sabia que ninguém via o que eu via... no ônibus somente os 4 conversavam. apontavam para fora, apontavam para tudo. pareciam felizes. sorriam. a música parou, a pilha havia acabado. não podia ouvir mais nada... porém o baile ainda estava longe do fim.

domingo, abril 25, 2004

um tiro no peito
a bala veio rasgando o ar e atingiu meu peito. senti o sangue subindo pela garganta, o sangue quente que agora tem gosto de morte. o sangue saiu também do meu peito, escorrendo devagar pela minha pele e sendo absorvido pelas minhas roupas. queria falar, mas não conseguia, tudo foi muito rápido. coagular não era mais necessário. a bala, ela, a maldita!, pegou no meu coração com toda a violência possível. depois que ela passou deixou para mim apenas um coração que agora não serve para mais nada, pois já não bate mais.

quarta-feira, abril 21, 2004

uma veia fina corre por fora do meu corpo
não de sangue, porém de lágrimas
um susto completo quando vejo palavras
subjetivas e estranhas no balançar solto de dedos
infecundos, sujos, como um deus que se arrepende
as luzes nunca mais vão ficar verdes
em busca do princípio de todos os tempos
não há nem tempo, nem mundo
e o ninho se foi com a chuva forte
que cai agora suave do lado de fora

domingo, abril 18, 2004

te amo

apenas sinto nojo quando chego perto de você. e quando penso que um dia terei que tocá-la e fazer de você minha mulher sinto vontade de vomitar a comida que não tenho coragem de tocar, pois suas mãos imundas já infectaram aquilo que poderia me nutrir. e agora só me dá desgraça. a ânsia sobe quando eu imagino seu corpo, e quando escuto a sua voz eu me controlo para não usar do esforço físico para fazer com que se cale. é com prazer que deito ao seu lado e imagino seu corpo já sem respiração. até o cheiro de cadáver é melhor que o mais caro dos perfumes sobre sua pele. o cheiro do esgoto faz com que me esqueça do desprezo que sinto pela sua essência. não levate seus olhos para mim, e não tenha a ousadia de sorrir, pois logo noto que a beleza é rara em sua pessoa, assim como o bom gosto e um senso crítico. digo tudo isso apenas por te amar. não se esqueça disso.

domingo, abril 11, 2004

uma mão

uma pequena mão, com dedos não muito longos, se estende e limpa as lágrimas de uma alma vazia. sorrir sozinho já não é mais proibido, pois um pequeno gesto já é suficiente para levantar as lembranças caídas. o olhar no nada, com brilhos tímidos e sorrisos presos, faz de tempos escuros já penumbra com o sol nascendo. em tempos de guerra, em tempos de conflito, essa mão, dona do riso, dona de tudo, já não é mais simples imaginação. hoje só é permetido pensar em você. hoje, nem se pudesse ou quisesse, não pensaria em outra coisa. só em você.

sexta-feira, abril 09, 2004

Imagens insólitas

A televisão fora do ar naquela madrugada fria e chuvosa. Aquele barulho de nada entrando na sala, e lá estava eu, deitado no sofá olhando para a tela que mostrava o que não havia. Pequenos restos de comida estavam esmagados embaixo do meu corpo, e eu podia sentir tudo, mas não dava bola. Um pedaço de caco de vidro estava no chão, uma provável parte de um copo que não me lembrava de ter derrubado. Todo o cômodo cheirava mal. Talvez dias já tivessem passado. Barba por fazer e banho por tomar. Fechei meus olhos sem me importar com a televisão ligada mas sem sintonia. A televisão estava assim, sem se importar com o que acontece a sua volta. Eu estava assim, me importava, mas não era capaz de fazer nada. Nada havia para ser feito.

quinta-feira, abril 01, 2004

Solidão

Um pequeno grão de poeira. Um pequeno pedaço de areia. Vidas se perdem em maços de cigarro, em garrafas de cerveja esquecidas na mesa de um bar vazio. A noite cai como criança brincando com o dia, quando menos se espera tudo está dominado. Eu, lá, deitado. A mesa é minha única companheira. Escuto o respirar do chão através dela, escuto as baterias de passos que ela me diz. Vejo seu corpo, sempre constante para o meu olhar, nunca escondendo nada. Nada, naquela mesa de bar. Suas pernas estão abertas, sempre estão, e posso colocar as minhas entre as dela. Ela, que suporta meu corpo bêbado e sem ânimo, que segura meu copo cheio ou vazio. Que me sustenta. E no fim, como sempre, será a única a segurar minhas lágrias. Ela, somente ela. Ela é a única que me merece, ela, a mesa do bar.