segunda-feira, maio 29, 2006

o perigo veste preto

“Alô? Alô? Letícia? Sim, sou eu! Não, não estranhe a ligação. Eu sei que você pensava que eu não sabia de nada, mas antes de morrer Carlos Eduardo passou aqui e pediu para eu guardar alguns secredos que só poderiam ser revelados caso ele morresse. Sim, ele sabia que corria perigo de vida. Ele sabia de tudo! Por isso morreu, e por isso não contou tudo para ninguém, assim ninguém mais correria esse perigo. Se você ainda quiser prosseguir com isso, encontre a palavra embaixo da casa não montada. Isso é tudo o que posso te dizer, pois tenho certeza esse telefone está na escuta. Cala-se por um segundo, por favor! Não me faça essas perguntas... Eu não vou responder nada, só vou passar o recado! Eu não sei de nada e também temo por minha vida, mas eu tenho um juramento para cumprir. Mas só se você quiser, só se você quiser! Não se esqueça: se quiser me achar encontre a palavra embaixo da casa não montada! Isso é tudo, tchau!”

sexta-feira, maio 26, 2006

planos perfeitos para criar um universo caótico

Letícia caminhava cabisbaixa e solitária. O cheiro das flores entravam suavemente em suas narinas e o cemitério parecia um lugar muito tranquilo. Totalmente diferente da sua cabeça. Mergulhada em pensamentos, não notou os passos pesados do Barão D'Acord atrás dela, que a chamou com leves toques nos ombros, interrompendo sua luta consigo mesma. "Eu sei o que você está pensando, querida Letícia", essas palavras foram ditas suavemente pelo estimado Barão. "Mas não se preocupe", continuou ele, "eu não vou deixar que nada te aconteça! Você pode me devolver aquilo que o Carlos Eduardo pegou de mim?". Não podia ser verdade! Carlos Eduardo nunca tinha sido um ladrão. Letícia sabia que estava em posse de uma peça importante para resolver aquele mistério e também sabia que corria perigo por causa disso... O que ela não tinha certeza era se o Barão a estava ameaçando. Não parecida. Ele tinha o ar de saber algo que ela ainda não sabia. Letícia o encarou nos olhos que se escondiam atrás daqueles óculos redondos e muito limpos. "Não me olhe com essa cara, querida Letícia, Carlos Eduardo não roubou nada de mim, eu havia confiado a posse desse objeto para os seus cuidados. Ele entrou em contato comigo e explicou seus motivos. Mas eu, em nenhum momento, sabia que a vida dele corria perigo, pois achei que ninguém mais soubesse, além dele, eu e você, conforme ele mesmo havia me dito". Mas Letícia era incapaz de conter sua tristeza, pois muito sangue já tinha sido derramado e o próprio Barão parecia ignorar esse fato. Mas ele poderia estar fingindo. Como saberia? Então ela voltou a contemplar as flores do cemitério, caminhando embaixo do sol tímido de outono, lembrando da última coisa que ouviu de Carlos Eduardo: "não confie em mais ninguém".

quinta-feira, maio 25, 2006

questionamentos sobre o quadrado da hipotenusa

“Minha querida, eu sei que o momento é difícil. Mas veja bem... Carlos Eduardo está morto e não há nada que podemos fazer para trazê-lo de volta. E todo esse mistério deve estar te perturbando... Não me olhe com essa cara, é claro que eu sei de tudo! Afinal, no auge dos meus 65 anos, eu já possuo amigos suficientes para me informarem tudo o que for preciso para protegê-la, querida Letícia. Já pedi para não me olhar com essa cara! Mas veja, olhe isso que encontraram no bolso do terno do Carlos Eduardo. Veja, estranho não? E como eu consegui isso? Não esqueça dos meus amigos, inclusive o chefe de polícia Rodinaldo Ghostfound, que costuma frequentar minhas reuniões sociais. Você já deve tê-lo visto em bailes, querida Letícia. Mas isso não importa! O que interessa é que ele já está envolvido nesse caso e vai me passar todas as informações possíveis para encontrar esse miserável assassino! Eu mesma, pessoalmente, tomarei providências junto ao gabinete do ministro Frederick Castro da Silva Toledo para que os melhores oficiais sejam disponibilizados para resolver esse caso. Tenho algumas influências, heranças deixadas pelo meu marido, seu tio já falecido. Por isso, querida Letícia, proteja-se enquanto pode. Agora vá! Pode ir! Já vão fechar o caixão... Ah, leve consigo isso que encontraram com o Carlos Eduardo. Acho que seria o desejo dele que você ficasse com isso... Não sei! Desculpe querida, também estou um pouco perturbada! Mas estarei aqui para te ajudar no que for preciso... Agora vá! Dê a sua última olhada no Carlos Eduardo e diga adeus para ele por mim..”

quarta-feira, maio 24, 2006

reflexões sobre o abstrato físico

A Senhora Von Carbernè chegou atrasada para o velório do Carlos Eduardo. Diziam que era apenas um ladrão, pois sua carteira tinha sido roubada... Mas algo não fazia sentido quando se toma um tiro pelas costas, à queima roupa. E Letícia estava com seus olhos profundos deitados por cima do caixão aberto, contemplando o semblante pacífico do Carlos Eduardo e lembrando de suas últimas palavras antes de deixar a mansão Von Carbernè: “eu tenho as respostas, não saia daqui e não confie em mais ninguém”. Mas ele não havia dito as respostas, saindo correndo sem olhar para trás. E um senhor, conhecido como Barão D’Acord, colocou a mão no ombro de Letícia e disse em seu ouvido: “a Senhora Von Carbernè aguarda a senhorita na sala ao lado para uma breve conversa”. E Letícia se dirigiu para a sala apontada pelo estimado Barão, carregando em seus ombros o terrível fardo da dúvida envolta por respostas que estavam dentro daquele caixão e que nunca mais poderiam sair de lá.

terça-feira, maio 23, 2006

deformações materiais dos dias que sempre acabam

“Tudo isso é inútil, inútil...” repetia em sua mente enquanto caminhava naquela calçada de cimento já gasto. Seus sapatos de couro alemão (o sapato!, não o couro) raspavam a sola conforme seu passo rápido ditava a velocidade do seu deslocamento. Cabeça baixa, mas olhar atento. Enquanto isso, peças daquele quebra-cabeça estavam sobre a mesa da sala de chá da Senhora Von Carbernè, que passava as férias tranquila em algum exótico país asiático do litoral do pacífico. “Mal sabe ela... Mal sabe!”. E foi incrível como, no passo anterior ao seu tombo, ele conseguiu chorar duas gotas salgadas pela doce Letícia, sobrinha e única herdeira da Senhora Von Carbernè. “É tarde, é tarde... Eu não posso ser a última esperança dela! Não, não posso!”, foi a única coisa que pensou já com a bala cravada em seu corpo. Também foi a última.

sexta-feira, maio 19, 2006

J & J

O mundo é um lugar muito estranho. Acho que muitas vezes as pessoas criam realidades que estão inseridas apenas em suas mentes e, com suas idéias limitadas, procuram por estruturas cheias de regras para dizer aquilo que, muitas vezes, sequer foi dito.

Jonas era um cara assim. Não como aquele da baleia, mas simplesmente o que achava que todas as baleias podem ser chamadas de mamífero por que um dia alguém escreveu que podia. Claro que ele não acreditava em tudo o que lia, mas mesmo assim baseava toda a sua vida em folhetos estranhos distribuídos em pontos de ônibus e coisas parecidas. E depois de lê-los ia para casa e sentava em seu sofá com um copo de coca-cola para assistir seu programa de televisão favorito. Algo que tinha a ver com seres humanos geneticamente modificados para fazer parte de algum exército especial, mas que no fim se rebelaram contra o governo que os criou para salvar o mundo. Era tudo tão simples.

Jonas tinha o costume de deixar cuidadosamente duas garrafas médias de coca-cola na geladeira. Ele brigava com todos na sua casa que quisessem as mudar de lugar. Mas elas não eram simplesmente guardadas baseado em apenas mais uma “frescura” de sua mente, mas um estudo cuidadoso sobre a transferência de calor. Explico: Jonas gostava de sua bebida parcialmente gelada, não muito e nem tão pouco. Por isso realizou diversos estudos e chegou à conclusão que o período para gelar deveria ser divido em dois. O primeiro era quando a garrafa ficava na parte inferior da geladeira, imediatamente acima do lugar das verduras. Dessa forma, recém colocada com a temperatura do ambiente, a garrafa passaria por um processo de resfriamento gradual, chegando perto do ponto ótimo. Uma vez nesse ponto, a garrafa poderia ser imediatamente transferida para um compartimento superior, mais próximo do congelador, onde é mais frio. Depois que o equilíbrio térmico é atingido, a garrafa pode ser retirada para o consumo. Essa era a maior razão para manter duas, não três e nem quatro, garrafas na geladeira. Assim que ele fosse pegar uma delas, a que estava embaixo passava para a posição de cima e o lugar na parte de baixo era preenchido por uma nova garrafa na temperatura ambiente e pronta para sofrer todo o processo de resfriamento até a hora do seu consumo final.

O ritual para ver televisão também era religioso, mas não tanto quanto as garrafinhas de coca-cola. Isso era praticamente impossível, pois as emissoras viviam trocando os programas de horário. Alguns programas acabavam, outros começavam, e isso fez Jonas se adaptar muito bem a essas alterações. Então certas coisas podiam variar, como o dia da semana e o horário que ele ligava a televisão. Apesar disso todo dia ele estava presente.

Mas Janaína era um pouco diferente. Um pouco romântica e adaptada ao que desse e viesse. Não tinha medo de enfrentar os próprios medos, era mais ou menos isso que ela falava. Ainda mais depois que começou a fazer terapia... Mas diziam que nem era necessário para ela. Janaína dava risada, pois sabia que não era preciso ter “problemas” para fazer terapia, mas simplesmente ter em mente que alguma coisa nela poderia ser alterada. E o que ela menos gostava em si mesma era sua timidez. Mas já estava trabalhando nisso.

Janaína sempre foi uma garota estudiosa, com as melhores notas da sala. Era admirada pelas colegas, que muitas vezes pediam ajuda para incrementar as notas em algumas matérias. Ela estava sempre lá para ajudar, pois achava que a amizade era algo que vinha acima de tudo. Isso ela tomava como certeza... Não sabia muito bem, mas um amigo dela disse certa vez que Aristóteles havia dito que a amizade é superior ao amor pelo fato de ser pura, não possuir ciúmes. A verdadeira amizade não é egoísta, não deseja a pessoa somente para ela, como o amor faz, mas sim é aberta, pois sabe que nada que se passa em um relacionamento pode mudar sua essência. Ela não tinha certeza disso, mas acreditava ser mais ou menos que fosse assim.

Jonas também era um rapaz tímido. Nunca teve muito sucesso com as garotas. Uma vez se apaixonou perdidamente, quando estava no colégio, e a garota parecia gostar dele também. Conversavam bastante, davam risadas e tudo aquilo parecia que ia durar para sempre. Até mesmo nas férias eles se viam com certa freqüência, o que o deixava muito feliz. Mas um dia Jonas a viu andando de mãos dadas com outro rapaz. Foi a primeira vez que sentiu um aperto no peito e vontade de desaparecer do mundo. Exatamente no mesmo instante em que percebeu que deveria tomar providências para que aquilo não acontecesse de novo. E realmente tomou. Resolveu nunca mais se apaixonar.

Ela, como eu já disse, era um pouco diferente. Desde sua época de ginásio já enfrentava os monstros da paixão. O primeiro foi um professor. Janaína não conseguia prestar atenção em outras coisas, mas somente no tom da voz dele e no jeito que ele andava. O professor era solteiro, brincalhão e jovem demais para assumir a responsabilidade de ensinar matemática. Mas ele assumiu muito bem. Ainda mais para ela, que apesar disso não conseguia acompanhar as aulas. Por isso ela se dedicava muito na matéria, para conseguir boas notas e ser elogiada por ele diante de toda a classe. Mas essa paixão se foi com a primeira gota de chuva da primavera.

Depois ela passou a olhar para os garotos mais velhos. Um deles, loiro de olhos claros, despertava certo interesse. Ela se via andando e sorrindo como louca no meio da rua, perdida em seus pensamentos que eram uma soma de imaginação e esperança. Mas da mesma forma que tinha chegado tinha desaparecido. E depois de envelhecer um pouco já não perdia muito tempo com relacionamentos efêmeros. Sabia o que os garotos queriam, e isso não era qualquer um que ia ter.

Jonas tinha vários amigos, que eram “alguns loucos da faculdade”. Ele não gostava muito de sair, achava que sua felicidade poderia cair no seu colo, mas isso não dizia para ninguém. Mas sofreu muita pressão dos seus colegas até que resolveu encarar o mundo noturno. Nessas horas ele deixava sua coca-cola de lado e arriscava beber até mesmo fanta ou sprite. Ninguém sabia, mas isso o fazia sentir importante.

Janaína estava perdida entre as boates e as festas com os amigos do cursinho. Sabia que todos eles iam se separar depois que entrassem na faculdade, por isso procurava se envolver o menos possível. Gostava mesmo de colocar Radiohead para tocar e sonhar acordada com seu futuro namorado. Sim, ela sabia que namoraria mais cedo ou mais tarde, com alguém especial. Tinha que ser especial.

Um dia ele viu no bar uma menina bonita. Não era nada demais, apenas bonita, como tantas outras que ele via na rua. Os amigos encheram tanto o saco dele que ele não resistiu e foi até lá falar com ela. Eu já disse que Jonas também era um cara tímido? Então, a menina também era. Ela até estranhou que um cara como Jonas pudesse falar e por isso o ajudou nos assuntos que ele puxava. Não por sentir pena dele, ou ter se sentido atraída, mas apenas por tentar conhecê-lo melhor. A menina acreditava fielmente que seu futuro namorado estava perdido em algum lugar, de repente poderia ser ele. Ela não sabia, e ela sabia que não sabia, como Sócrates.

E Janaína continuava sendo abordada por garotos estranhos em todos os lugares. Mas uma vez ela realmente deu sorte, mesmo sem saber logo no início. Um rapaz estranho bateu com as pontas dos dedos no seu ombro. Ele era uma figura singular, parecia que nunca tinha saído antes. Tinha um copo de fanta na mão, e naquele lugar isso era totalmente estranho. Ela sabia disso, mas resolveu não comentar nada, pois ele parecia um pouco nervoso. Ela também sabia que não sabia nada a respeito dele, por isso resolveu ajudá-lo para poder, de repente, conhecê-lo melhor. Quem sabe? De perto ele não era feio, muito pelo contrário, parecia ter uma “beleza interior” digna de ser explorada. Era quase um exemplo de personagem de livro de auto-ajuda. Daqueles que a gente torce para se foder, mas sempre dão a volta por cima.

Então Jonas passou a freqüentar mais vezes aquele lugar. E quase sempre a encontrava. Mas ele era um cara de manias estranhas, e estava tomando consciência disso. Por isso sempre conversava com essa menina, que acabou se tornado uma boa amiga, pedindo conselhos de como mudar. Ela insinuou uma vez que uma ajuda profissional poderia ser uma boa solução. Ela mesma já tinha experimentado com vários resultados positivos, mas ele fingiu que não entendeu. Ele tinha medo descobrir o que não gostaria, mas gostava de conversar com ela e cada noite naquele lugar era como uma terapia. Depois de alguns encontros eles já estavam rindo e conversando amigavelmente sobre qualquer assunto.

E Janaína não ligava muito. Sabia que aquele garoto era estranho, mas não via nada de especial nele. Mas ele sempre estava lá, com um copo de fanta na mão e sempre indo falar com ela quando a via. De vez em quando, somente para fugir um pouco daquela rotina, ela ia para outro lugar. Ele sempre perguntava os motivos dela não ter aparecido, mas ela sempre mentia. Mas alguns encontros se passaram e o garoto começou a se revelar cada vez mais complexo. Ela passou a achar aquela personalidade um tanto quanto fascinante, pois nunca sabia dizer o que ele ia fazer ou pensar. E isso a deixava um pouco incomodada... Em um bom sentido. Ele foi se confessando aos poucos, e ela gostaria muito de dizer para ele procurar ajuda profissional, pois com ela havia funcionado. Mas nunca chegou a dizer isso, pois poderia ofendê-lo.

Jonas passou a rever todos os seus conceitos, principalmente o de felicidade e amor. Até mesmo aquelas garrafas de coca-cola estavam cada vez mais frágeis. Sem querer pegou uma fora do lugar, longe da temperatura ideal. Mas ao invés de gritar e reclamar com toda sua família, ele resolveu experimentar e percebeu que não fazia tanta diferença se estava embaixo ou em cima. Isso para ele foi um choque, mas se adaptou rápido e sua mãe ficou feliz por não haver mais lugares reservados na geladeira.

Mas ela continuava com sua batalha mental. Aquele rapaz era estranho demais, mas com o tempo e o número crescente de encontros ele foi entrando na “normalidade”. Pegaram uma forte amizade, mas que não saía daquele ambiente. E Janaína via que muitas coisas que ela falava para ele surtiam um grande efeito. Era como se ele não falasse aquelas coisas para mais ninguém. Isso a deixava feliz, fazia ela se sentir importante. Mas um dia ela não resistiu e perguntou “porque caralho você toma tanta fanta?”.

Então Jonas já tinha deixado as garrafas em paz e esquecia dos seus programas favoritos enquanto pensava naquela menina. Não lia mais folhetos nas ruas, pois agora realmente acreditava que eles não faziam mais diferença nenhuma. E aquela menina achava os folhetos ridículos. Então, assim como ela havia sugerido, começou a experimentar coisas novas. Resolveu começar com cerveja, mas era amarga demais. Então tomou vinho e foi um desastre! Ficou bêbado, levou bronca dos pais, era motivo de piada para os amigos e sentia muita dor de cabeça no outro dia. Detestou, mas não desistiu. E continuou tentando até se acostumar. E um dia aquela menina perguntou por que ele tomava tanto refrigerante assim. E ele respondeu que era por causa da ressaca, que naquela ocasião especial não era mentira.

E ela riu. Ela tinha certeza que ele havia mentido, mas ela não dava bola. Já eram amigos para que ela deixasse isso acontecer. E Janaína já havia pensado nele várias vezes, imaginando como seria bom receber ligações dele e conhecê-lo fora daquele lugar.

Então Jonas tomou coragem. Assim que a viu pediu o seu telefone. Ela olhou para os céus dizendo que já estava na hora disso acontecer e os dois deram boas gargalhas. Passaram a fazer outras coisas, como ir ao cinema ou a restaurantes. Já andavam de mãos dadas e depois dos filmes trocavam alguns beijos. Ele então desistiu de não se apaixonar e se deixou levar.

Janaína estava nas nuvens. Aquele rapaz pediu seu telefone, depois de enrolar muito, e agora já conversavam mais vezes. Ele até mesmo chegou a ir visitá-la em casa, onde prepararam pipoca de microondas e assistiram a um filme muito ruim. Davam risadas e beijos apaixonados enquanto estavam deitados no sofá da sala.

Jonas conseguiu o que queria, mesmo sem saber: uma garota interessante que, acima de tudo, era sua amiga, que conseguiu livrá-lo de todas as regras ridículas que ele seguia. E com Janaína foi parecido, com a diferença que ela sabia o que queria. Talvez Aristóteles não estivesse assim tão certo.

Mas o que a história de Jonas tem a ver com a de Janaína?...

Nada.

quarta-feira, maio 17, 2006

Eu estava esperando por ela naquela noite fria de julho. A névoa na noite curitibana já embaçava as luzes da rua, deixando a noite ainda mais tímida. E eu estava embaixo do ponto de ônibus com meus braços cruzados e pesados casacos cobrindo meu corpo. Eu tremia um pouco. O vento gelado sempre entrava por baixo das mangas. Estava pronto, olhando para a direção que ela deveveria vir. Mentalmente eu repetia as palavras que eu devia dizer. "Boa noite, tudo bem?". Pensei na sua importância... Naquele frio ela era a única que poderia me esquentar. Eu sabia que ela viria cheia de calor humano. Aguardava ansioso. Ela podia viver sem mim, mas eu poderia viver sem ela? Será que ela se importava com isso? Claro que não! Ela não se importa com ninguém! Ela vive passando, de um lado para o outro, imponente e só parando quando solicitada. Enfim ela virou a esquina e desceu a rua até onde eu estava. Com um aceno de mão ela parou na minha frente e abriu as portas. Eu entrei, disse boa noite para o motorista e para o cobrador. Sentei no meu lugar e continuei pensando: o que seria de mim sem a condução?

terça-feira, maio 16, 2006

Correspondências

Grande Naka,

Pensei muito a respeito da vida pública e decidi, conforme sua sugestão, a me candidatar à presidência da república.

Abraços meu grande!
Marcola

PS.: Assim que for transferido novamente eu devolvo seus livros e a grana que te devo.

segunda-feira, maio 15, 2006

Correspondências

Querido Eduardo,

Eu sei muito bem os limites do "funk". De forma proposital a melodia é pobre, coisas que simples críticos de jornais marrons não conseguem entender. Certamente a mensagem vai além de suas capacidades cerebrais, o que já era esperado. Mas não pense que quero soar "vanguardista"... Nossas discussões sobre arte já bastam para você saber que eu não penso dessa forma. "Vanguarda", sempre entre aspas, não passa de um rótulo estúpido para dizer muita coisa sobre nada. A mensagem em meu novo disco está clara, como você apontou muito bem. Mas nas pequenas mensagens políticos-sociais você peca um pouco quando interpreta certas músicas utilizando o "Marx de borracha" (nunca vou esquecer disso, foi muito engraçado). Pense nelas de forma mais kantiana, tudo bem?

Beijos
Sabrina Sato

quinta-feira, maio 11, 2006

carta de um selvagem suicída

Aos policiais que primeiro entrarem em minha casa:

Como podem notar a bagunça é generalizada, mas essa carta está totalmente limpa e visível sobre a mesa cheia de cacos de vidro das garrafas de cerveja. Caso ela esteja úmida por causa da cerveja e do sangue, isso significa que você chegaram tarde demais. O que provavelmente acontecerá, mas não representa nenhum problema.

Como podem notar, minha esposa está degolada ao lado da mesa, com marcas de luta pelo lugar (o que explicaria as garrafas quebradas, mas não é por causa disso). Mesmo antes de matá-la eu sei que ela naturalmente apresentará resistência. A luta pode ser longa e por isso não sei se conseguirei matá-la ao lado da mesa, mas certamente cortarei a cabeça dela e colocarei seu corpo conforme essa carta diz estar.

Ao lerem isso, favor tomem cuidado ao abrir a porta do quarto do meu filho mais velho. Ele estará lá, também morto, mas com uma facada no peito. Tomarei o devido cuidado para que seu corpo fique encostado na porta, de forma que assim que alguém abrir o corpo caia sobre a primeira pessoa que tentar entrar no quarto. Por isso apenas aviso para tomarem cuidado, pois ele estará cheio de sangue e a faca, cravada no seu peito, pode se deslocar nesse movimento e causar algum ferimento desnecessário.

Meu filho mais velho até tinha uma namorada. Essa se encontrará morta no banheiro de visitas, por isso não estranhem ao encontrar um cérebro dentro da pia da cozinha (é dela). Afogarei a menina, cujo nome me escapa agora, no vaso sanitário. Mas eu tomarei cuidado para que a descarga tenha sido dada e o vaso tenha sido devidamente limpo, pois eu acredito fielmente que a higiêne é bom para a saúde. Deixarei o corpo dela deitado no chão do banheiro, com a cabeça aberta na parte de cima, pois essa foi a única forma que encontrei de tirar seu cérebro.

Sobre a minha cama minha filha mais nova estará mutilada. Cortarei todos seus braços e pernas, mas só depois que a matar estrangulada com minhas próprias mãos. Com muito carinho embrulharei seu corpo nos cobertores e ela ficará lá, com seus belos olhos abertos, olhando para o primeiro que entrar no meu quarto.

Depois disso os vizinhos provavelmente ficarão incomodados com os barulhos. Por isso eu quebrarei as garrafas, para que eles fiquem mais incomodados ainda e vocês, estimados policiais, possam entrar em minha casa e desfrutar da cena ainda no seu frescor mais puro. Infelizmente não terei tempo de me limpar, por isso o sangue estará em toda parte.

Nem sempre tudo sai como planejamos e eu tenho noção disso. Por isso em outros cômodos da casa você podem encontrar cenas de luta, móveis quebrados ou deslocados. Espero que entendam e não se importem com isso.

Por fim basta olhar pela janela da cozinha. Lá no quintal estará o que resta de mim, com um tiro na cabeça, cujo som espero ser o mais alto possível para que os vizinhos escutem e vocês apareçam logo.

Agradeço a devida atenção e desculpem qualquer coisa,
Ass.: Eu

quarta-feira, maio 10, 2006

relativo

É um cara feliz.
Ele tem um carro novo e uma namorada carinhosa que gosta dele da mesma forma que ele gosta dela. Tem um bom relacionamento com os pais, assim como com outros familiares. Seus amigos são animados, gostam dele (e da namorada) e sempre estão fazendo coisas juntos. Tem um ótimo emprego, onde é constantemente elogiado, com um excelente salário e perspectivas de futuro. Ele também gosta do que faz. Possui hobbies saudáveis, que refrescam a mente. É considerado uma pessoa erudita em todo tipo de arte. Em sua casa ele tem a TV à cabo que pega todos os canais possíveis (e ele entende todos, incluindo aqueles árabes). Todo ano faz uma viagem para o exterior, cada vez um país diferente, onde gasta boas semanas conhecendo o lugar escolhido o melhor possível. Tem uma empregada que é muito atensiosa e deixa sempre as coisas arrumadas e nunca mexe em suas coisas pessoais. Está satisfeito com tudo e com todos e é como se nada pudesse ser melhor. Tá vendo como sua vida, assim como a minha, é uma merda?

segunda-feira, maio 08, 2006

a última vez também pode ser a primeira

Os olhos dela caíram devagar acompanhando a penumbra que seu corpo formava na parede do quarto por causa do luar. Estava sentada na cama, com seus cabelos desarrumados e seu corpo nu coberto por um lençol branco sujo de sangue em boa parte dele. E ele dormia tranquilamente ao seu lado, praticamente inerte, com respirações profundas e lentas que pareciam acompanhar o vento antes da chuva que balançava as poucas árvores da rua cinza do lado de fora. Tinha sido sua primeira vez.

Não sentiu nada de especial como esperava. Não sentiu prazer, sentiu um pouco de dor, fingiu e satisfez aquele que a amava. Mas estava vazia... Naquele momento ela era apenas mais uma. Quis chorar, mas não conseguiu. Quis gritar, mas não tinha ânimo. Olhou para o copo na cabeceira da cama. Olhou para o chão com as roupas esparramadas. Olhou para a cama dessarrumada. Olhou para si mesma. Em nenhum desses lugares achou alguma coisa. Deu um gole. O último. E deitou ao lado daquele que a amava e fechou os olhos tentando não pensar em mais nada. Desta vez era para não acordar nunca mais.

sexta-feira, maio 05, 2006

grátis

No meio daquele barulho infernal de rock pesado, com uma fumaceira sem tamanho, eu soube exatamente o que deveria ser feito. Dei várias cotoveladas no meio da multidão, avançando em direção ao palco até atingir a grade de segurança. Hilário. Olhei para a cara dos seguranças, que geralmente têm aquela cara de “comeu e não gostou”. Dei risada, mas no meio do barulho ninguém me escutou. Os gritos estavam me deixando nervoso. Ninguém sabia o que eu sou capaz de fazer quando fico nervoso... Mas eu me contive, era apenas uma questão de tempo.
Dito e feito. Alguns instantes depois e meia dúzia de fãs alucinados daquela banda começaram a pular a grade de segurança, tentando subir no palco, mas sempre sendo contidos pelos seguranças. Cada vez mais. No momento certo chegou a minha vez, pulei a grade e um segurança segurou meu braço. Não tive dúvidas, larguei meu punho fechado no meio do nariz dele e, quando todo mundo viu isso, já era tarde demais. Eu já estava em cima do palco, o único que tinha ousado dar um murro naquele imbecil! Claro, as consequencias são horríveis, diz a lenda. Todos os seguranças se juntam e acabam com a sua raça do lado de fora, mas eu não tinha nem um pouco de medo deles.
Em cima do palco eu vi aquelas luzes cegarem a minha visão. O barulho continuava e minha presença parecia ter causado um certo impacto no público. Eu estava pouco me fodendo para o público. Começaram a gritar, a me xingar. Simplesmente levantei o dedo do meio para todos eles e fui vaiado. Finalmente todo mundo entrou em um acordo sonoro. Nada mais justo para um bando de idiotas como aquele.
Finalmente dois seguranças seguraram os meus dois braços, com as duas mãos. Eu sabia que isso ia acontecer, mas eu estava um pouco nervoso por causa das luzes e do barulho. Então simplesmente puxei os dois, um contra o outro, que bateram cabeça e desmairam. Quando fiz isso a mistura de ação foi inevitável, muito barulho, a banda parou de tocar e muitas pessoas tentavam me conter, mas eu simplesmente não parava e ninguém era páreo para mim.
No outro dia apareceu no jornal que um estranho incidente havia acontecido durante um show de rock, onde várias pessoas foram feridas, mas muito mais haviam morrido. Ninguém queria comentar o assunto. Rasguei a reportagem e limpei a bunda, pois o papel higiênico havia acabado.

quinta-feira, maio 04, 2006

Artic Monkeys

Eu não entendo o que tantos críticos “eruditos” falam a respeito das novas bandas. Muitos deles têm uma relação muito estreita com aquilo que escutam, muito mais voltada para a opinião pública do que para a própria. É o oposto exato do que aconteceu, por exemplo, com os impressionistas. Eles não caíram no gosto do público de imediato e por isso a crítica caiu em cima, não polpando nenhuma farpa. O tempo provou estarem errados, assim como boa parte do público. Se todos já tivessem morrido quando isso aconteceu talvez o impacto não fosse tão grande, mas muitos ainda estavam vivos para verem essas transformações.
Então ser crítico de alguma coisa (artes plásticas, cinema, música, etc) se tornou abrir todas as possibilidades para sustentar sempre a regra do novo. E por isso o público ignorante, cujo poder de compra é o que realmente interessa, não possui nenhum potencial para mostrar bom gosto. Incrível engano. Um olhar apurado por toda a história da arte nos mostra que somente em nosso tempo é que essa espécie de idiotice reina na boca de críticos que lavam suas mentes com clichês revolucionários que, desde metade do século passado, já são questionados. Querem erudição e novidade? Por que então não escutam Stocknhausen e música dodecafônica? E, certamente, muitos deles não sabem do que eu falo.
Artic Monkeys é uma banda que dá uma pitada de pimenta nessa cena. Eles agradam boa parte do público que faz vista grossa para o pop, da mesma forma que agradam aqueles que só escutam pop (e isso irrita muita gente). Suas melodias, cruas, não estão longe de influências punks e indies, mas isso não quer dizer que sejam geniais, da mesma forma que não são ruins. É uma boa banda, que pode ser influenciada pelo modismo das rádios (até mesmo em rádio quenianas) e das televisões. Então, justamente por causa disso, gritam aqueles críticos “donos da verdade” que, sedentos por atenção, não polpam nenhuma farpa. E eu acho que já fiquei sabendo de uma história parecida...