terça-feira, maio 31, 2005

Série Amigos no Cinema

Episódio III – A revolta contra Bertile

Bertile estava na dela, feliz com seu novo aprendiz. Ela sabia que seu aprendiz era ainda mais poderoso que ela própria, mas mesmo assim, com alegria nos olhos, Bertile treinou sua cria para ser um guerreiro digno e defensor dos direitos morais vigentes em uma época muito distante. Tanto no passado quanto no futuro, o que é muito louco.
Mas o que Bertile não podia esperar era que seu mais novo ajudante sofria de dores de cotovelo no estilo de Édipo, sempre chorando pela sua já falecida mamãe, necessitando de uma grande chupeta (duplo sentido) para acalmar os ânimos. Mas sua mulher, uma garota linda, porém um pouco burrinha (tadinha), não conseguia compreender os motivos que levaram seu amado, o aprendiz de Bertile, a sempre compará-la com sua mãe (a mãe dele). Sim, é uma confusão!
Acontece que Bertile foi escalada para acabar com uma guerra. De acordo com as teorias políticas, Bertile tinha apenas que eliminar um determinado ser, que era uma mistura de robô com lagarto. Então Bertile, com sua espada de luz azul (não é sabre, sabre é mais curto que espada, Bertile tinha um espadão!), subiu em sua nave, modelo daquele ano, e partiu para um planeta longínquo, que de acordo com informações do terrível Chanceler Sith Demoníaco era onde estaria o inimigo articulador de casos que era uma ameaça para a república.
Bertile chegou lá com auxílio de um exército. E fez a festa. Sem medo no olhar e com um determinado humor, Bertile detonou com o seu inimigo. Mas a batalha estava apenas começando, e Bertile, infelizmente, não conseguiu sentir isso através da Força. Por um comando do terrível Chanceler Sith Demoníaco, Bertile e seus colegas guerreiros de outras partes do universo foram colocados para escanteio, sendo que a maioria morreu devido a traição. Mas Bertile, foda do jeito que é, conseguiu escapar (com um pouco de sorte também).
Paralelamente a tudo isso, seu aprendiz, o chorão-com-cara-de-mau, ficou ainda mais íntimo do Chanceler Sith Demoníaco. Juntos eles fundaram um império, cuja base seria o lado negro da força. Mas o aprendiz chorão-sem-mamãe de Bertile só queria aprender um truque novo no pedaço, que era simplesmente evitar a morte das pessoas mais próximas (e assim ele não seguiu os ensinamentos do velhinho-verde-bom-em-artes-marciais que foi mestre também de Bertile). Dessa forma, no final das contas, com a intenção de salvar sua amada que iria inevitavelmente morrer, o aprendiz chorão-cadê-mamãe de Bertile ficou com aquela cara de mal (que no fundo não convence ninguém). Para finalizar com seu lado bom, ele foi até o templo dos guerreiros e matou um monte de criancinhas (mas ficou a dúvida sobre práticas pedófilas).
Bertile voltou para a capital da república, que agora era império, e viu a “traição” de seu aprendiz chorão-sem-carinho-da-mamãe. Bertile ficou completamente decepcionada, e com seu mestre anão-verde-alien-fodão, decidiram revidar, na tentativa alucinada de salvar com tudo. Bertile, a contragosto, mas compreendendo que o anão-verde-espada-também-verde era mais poderoso, dividiram a tarefa. O verdinho tinha que eliminar o Chanceler Sith Demoníaco, enquanto Bertile se viu na obrigação de eliminar seu recém-dark-side aprendiz.
Bertile entrou escondida na nave da amada-burrinha de seu aprendiz e assim armou uma cilada e gerou mais confusão entre o amável casalzinho dos filmes anteriores. Os dois brigaram, e Bertile ligou a chama BIC de sua espada e batalhou com seu aprendiz sobre rios de lava. Bertile se lamentou de não ter usado a força nessa hora, e ter jogado seu aprendiz na lava incandescente. O aprendiz de Bertile, corrompido pelo lado negro, batalhou e batalhou, mas no fim teve todos seus membros (menos aquele) amputados e ficou todo queimado por ter tombado perto do rio de lava. Bertile, com lágrimas nos olhos, e dizendo que ele era como um irmão para ela, o deixou para sua própria sorte. E não é que ele teve sorte mesmo? O Chanceler Sith Demoníaco conseguiu escapar do ataque do anão-alien-verde-fodão e foi até onde o bebezão estava para salvá-lo. Ainda conseguiu chegar a tempo.
Bertile resolveu ficar do lado da mulher de seu ex-aprendiz, agora um carvãozinho, e ajudou ela com seus filhos. Para surpresa da galera, eram gêmeos (mas todo mundo sabia). No fim, a mulher burrinha, tadinha, perdeu a vontade de viver, pois seu amado-bebê-chorão-cadê-mamãe havia “taked a ride on the dark-wild side”. Nenhuma medicina é capaz de curar quem não tem vontade de viver (?), então ela morreu após o parto de seus lindos bebezinhos. Uma foi criada por um senador, e o outro foi entregue para uma família do subúrbio da república pela própria Bertile, que viria a ser a mestra dele.
Assim o anão-verde-fodão se exilou, pois seria perseguido. Bertile andou contra o pôr-do-sol de um planeta sinistro e desértico, e seu aprendiz bebê-chorão-sem-mamadeira ganhou uma roupa super-fashion, mas que incomodava um pouco lá embaixo.

segunda-feira, maio 30, 2005

livrar-me de mim mesmo

Eu sei que não mereço, mas perdão é a única coisa que posso pedir. Chega de ser assim, chega de me deixar vencer por mim mesmo. Aquele lado não pode comandar para sempre, aquilo que sou é a eterna destruição dessa contradição. Um dos lados sempre vence, sempre irá vencer. Não mais aquele. Por isso me jogo aos seus pés. Para que você possa pisar em mim. Sem dó nem piedade. E de baixo eu ainda vejo o seu sorriso e o seu olhar. E isso ainda me deixa feliz, mesmo apesar de tudo...

quarta-feira, maio 25, 2005

não vejo a hora...

Garotas e garotos de classe média alta bebem seu néctar alcoólico extremamente caro na madrugada de sábado para domingo em um lugar fechado da moda e só para convidados. Enquanto isso garotas se prostituem para velhos peludos, com bafo de cachaça e com pouca higiene pessoal. Garotos caem drogados na sarjeta do centro da cidade ao mesmo tempo em que um motorista de ônibus xinga a mãe do pedestre que atravessou correndo a rua e quase foi atropelado. Naquele momento várias pessoas passam boa parte da noite acordadas em suas casas sentadas na frente do computador, participando de bate-papos e lendo textos em blogs. Donas-de-casa dormem em suas camas ao lado dos seus maridos trabalhadores. Namorados se entregam no eterno jogo de desejos, suor e dor. E os cachorros não incomodam mais ninguém.

E ousamos ainda dizer que o tempo passa.

terça-feira, maio 24, 2005

persistência da paixão de dali

Zezinho não tinha cara de quem ia espirrar, ele era feio mesmo. Pelo menos era assim que as meninas se referiam a ele. Algumas, as mais quietinhas, que ficavam sentadas na frente da classe, tinham pena dele. As outras, as mais bonitas e populares, tiravam o sarro do pobre do Zezinho, que no fundo não tinha nenhuma culpa de ser assim. Ana estava entre elas.
Zezinho não era uma pessoa popular, apesar de ser bem conhecido pela falta de dotes estéticos dentro dos padrões aceitos normalmente. Por conta disso desde pequeno foi um garoto solitário. Tinha medo de se aproximar das pessoas, apesar de gostar de quase todas elas. Bastava puxar conversa com ele que seriam horas de uma boa conversa. Mas hoje em dia ninguém liga mais para isso. Ana também não ligava.
Ana estava no grupo das meninas bonitas. Zezinho admirava essas garotas, mas sabia que nunca teria chances com nenhuma delas. Às vezes ele até pensava a respeito, mas só até se olhar no espelho novamente. Ele sabia de tudo, ele tinha plena consciência.
O tempo passou e Zezinho cresceu. Ana também. Já não eram mais crianças, e os hormônios já exerciam maiores influências em seus corpos e mentes. Ana sempre ia para as baladas, e não se importava com o vestibular que estava chegando. Zezinho não tinha grandes amigos, apenas alguns garotos que tinham vergonha de estar do lado dele, por isso ficava sempre em casa. Zezinho não pensava em Ana, e nem Ana em Zezinho. Mas eles estudavam juntos, e Ana dava risada com suas amigas quando Zezinho passava perto delas. Zezinho fingia não perceber.
Certo dia rolou um boato que Zezinho estava namorando. Ninguém acreditou, e todo mundo achou que era invenção dele, numa vã tentativa de se tornar mais popular. Mas Zezinho, nessas alturas do campeonato, estava pouco se lixando em ser popular ou não. Isso era coisa para Ana e suas amigas... Zezinho estava realmente namorando.
Ninguém deu bola, até que um dia ele foi visto por um colega saindo da sala de cinema de arte ao lado de uma garota. Perguntaram como estavam, e ele disse que pareciam claramente um casal de namorados, andando de mãos dadas e tudo mais. Ana ouviu essa história, e lembrando de quem era Zezinho não podia acreditar. Ana então questionou os dotes físicos da namorada de Zezinho num tom irônico, dando risada da provável baranga que seria. O colega, que tinha visto de perto a cena tão comentada, falou que era exatamente o contrário, que Zezinho tinha uma namorada linda. E, para completar, ainda disse que era uma das meninas mais bonitas que ele já tinha visto. Então a história do namoro de Zezinho começou a gerar polêmica.
Todos queriam ver isso de perto. Ana entre eles. Passaram a conversar mais com Zezinho, para saber o que ele gostava e como ele era. Descobriram várias coisas interessantes. Ele era bem interessado em arte, em filosofia, em literatura... Ele gostava de livros, de cinema, de museus. Sempre ia para esses lugares. Zezinho sabia que o início do seu namoro ia gerar polêmica, mas como já disse ele estava pouco se lixando para isso. Então resolveram ir aos mesmos lugares que ele para ver se o viam com sua namorada. Ana também aderiu a esse movimento. Zezinho se mostrava cada vez mais feliz.
Dias se passaram até que Ana e suas amigas resolveram ir a uma feira de livros que estava tendo na cidade. Ana não gostava dessas coisas, mas precisava comprar alguns livros que iam cair no vestibular. Zezinho já tinha lido todos, e foi apenas por diversão. Ana esperava encontrá-lo lá, e esse foi o principal motivo pelo qual ela quis comprar os tais livros. Então os dois se encontraram, e Zezinho estava com a namorada.
Ana realmente não acreditava em seus olhos. Zezinho namorava uma garota muito linda, bonita de verdade. O sorriso dela era encantador, e ela chamava atenção de todo mundo. Zezinho parecia completo ao lado dela, e até menos feio. E ela também parecia feliz ao lado de Zezinho. Ana custava a acreditar, por isso resolveu investigar mais a fundo. Foi até lá e puxou conversa com Zezinho, na maior cara-de-pau que eu sequer tenho palavras para escrever. Mas Zezinho foi gentil com ela, mesmo porque ele não tinha motivos para ser diferente. A namorada de Zezinho, que se chamava Luciana, foi ainda mais simpática com Ana após saber que os dois estudavam juntos. Ana ficou sabendo que Luciana estudava, mas trabalhava também. Era funcionária de uma empresa de grande porte, e batalhava todo dia para pagar seu cursinho e comprar seus livros. Ana não viu nada de errado nela, muito pelo contrário, era uma pessoa admirável. O que deixou Ana ainda mais intrigada.
Luciana era realmente uma pessoa maravilhosa. Ana pensava nisso e pensava também em Zezinho, e se perguntava o que ele tinha para atrair uma garota como Luciana. De certo ele a enganava. Mas nessas alturas eles já estavam namorando fazia tempo, o que fez Ana acreditar que Luciana, com a personalidade que tinha, não se deixaria enganar facilmente por tanto tempo. Zezinho também não era rico, e Luciana não fazia o tipo que namorava por dinheiro. E os dois, na feira de livros, pareciam tão felizes juntos. E isso era o que mais incomodava Ana. Zezinho, o feio, namorando uma garota maravilhosa, inteligente e extremamente gente boa, e os dois curtindo um ao outro.
Então Ana resolveu se aproximar de Zezinho no colégio. Passou a sentar mais perto dele para descobrir o seu jogo. Zezinho não deu muita bola, e até achou estranho Ana se aproximar assim, pois ela era uma garota popular e nunca uma garota popular havia se aproximado dele. E Ana, além de popular, era bonita. Mas Zezinho, como já disse, estava pouco se lixando para isso.
Com o tempo e a proximidade Ana notou que Zezinho era um pouco mais do que um cara feio. Ele tinha uma visão de mundo diferente, e muitas dessas coisas ele conversava com a Ana. Se tornaram amigos, e Zezinho sempre falava da Luciana e de seu namoro, como foi incrível ter conhecido sua namorada e tudo mais. Ana ouvia atentamente, sempre tentando pegar alguma coisa “no ar”. E Zezinho era apenas ele mesmo.
Mas Ana começou a perceber que Zezinho vivia em outro mundo, diferente do dela. Zezinho não se importava com o que ela pensava dele, e isso ele deixava bem claro quando falava de suas idéias. Ana discutia política, religião e arte com ele. E foi então que Ana percebeu que não sabia nada de política, de religião e muito menos de arte. Zezinho recomendava filmes e livros, os quais Ana nem chegava perto. Pelo menos no começo, mas que depois de um certo tempo ela até começou a se interessar. As idéias de Zezinho faziam sentido, e muitas vezes ele a convencia quando explicava filosoficamente as coisas.
Ana se pegou um dia lendo um livro apenas para discutir com Zezinho. Ana também percebeu que sugeria filmes diferentes para suas amigas, apenas porque Zezinho havia recomendado. E ela queria ver apenas para poder conversar com ele. Ela gostava de conversar com ele, ela aprendia muitas coisas. Até mesmo discutia literatura com ele, e com surpresa ficou sabendo, por ele mesmo, que Zezinho também escrevia. Ela pediu para ler seus textos, que Zezinho passou com grande prazer.
As amigas de Ana não entendiam o que ela estava fazendo. Ser vista com Zezinho, mesmo ele namorando uma garota maravilhosa, não era muito bem aceito pelas garotas populares. Ana sabia muito bem disso, mas chegou num ponto em que ela não acreditava mais nisso. E ela agora pensava em Zezinho não mais como o cara feio, mas sim como o Zezinho mesmo, aquele cara estranho, mas admirável. Ana pensava demais nele, mais do que gostaria.
Então ela percebeu tudo. Sim, Zezinho tinha um jogo no qual Luciana havia caído. Não era um jogo de sedução, não era um jogo dele. Era apenas o seu próprio jeito de ser, de ser aquele Zezinho e nada mais. Zezinho, como já escrevi, estava pouco se lixando. E até mesmo essa maneira dele encantava Ana, que notou que todos os seus comentários sobre a beleza de Zezinho não faziam a mínima diferença para ele. E foi nesse “jogo”, inventado por Ana, que ela mesma caiu.
Mas Zezinho não se importava, e tenho minhas dúvidas se ele percebeu isso. Luciana era encantadora, e era de quem Zezinho realmente gostava. Luciana, além de mais inteligente e letrada, também era mais bonita que Ana. E Ana sabia disso, sabia de tudo isso. O que a deixava mais triste era saber que não impressionava em nada Zezinho. Queria sua admiração, queria que ele a desejasse como ela o desejava. Mas não foi assim que aconteceu. Zezinho, feliz, tomava banho de chuva, via seus filmes estranhos e lia seus livros ao lado de Luciana, que sempre o apoiava e o acompanhava. Enquanto Ana agora estava um pouco mais isolada, pensando apenas em como impressionar Zezinho e decidida sinceramente a conquistá-lo. Era isso que ela sentia e queria. Mas, como eu já disse, Zezinho estava pouco se lixando.

segunda-feira, maio 23, 2005

grandes momentos de minha paranormalidade

Foi simples. Entrei no palco eram mais ou menos umas três horas da tarde. Então desci algumas escadas, dei voltas e mais voltas por corredores assustadores. Estava escuro, e a invenção foi tão grande que fez da imaginação criativa realidade. E, diante daquela floresta de pedra, com árvores plantadas ao acaso, pude ver a multidão de comedores de hambúrgueres vomitando pelos lados aquele recheio especial cheio de ketchup. Não foi uma bela visão, mas confesso que diante de quadros de Renoir não poderia ser diferente. Aquela menina olhando sempre para fora do quadro... A única. E quando elementos da cultura pop adentraram meu cérebro, eu pude perceber que só tinha uma única saída: celibato. Por isso decidi subir a montanha da qual Zaratustra caiu, e criei em torno de mim uma aura que nem mesmo deus poderia interferir na minha leviana vida. No fim, aplausos. Muitos aplausos. Por isso naquela noite dormi pensando em Albertine.

sábado, maio 21, 2005

piração pseudo-especulativa sobre o sentimentalismo contemporâneo

Depois que o ser humano passou a dar grande importância para o seu lado sentimental, o mundo nunca mais foi o mesmo. Precisamente esse mundo no qual vivemos agora. Mas é estranho até mesmo esse jargão popular como “o mundo nunca mais foi o mesmo”. O que isso precisamente quer dizer? No fundo, se uma análise mais profunda permitir, o mundo realmente nunca foi o mesmo em nenhuma época. Obviamente me refiro a essas mudanças diante de como a sociedade era antigamente e de como ela é agora.
A razão sempre exerceu no ser humano a mais importante influência. Porém, nos dias de hoje, não é bem assim que funciona. Sempre pesamos nossos sentimentos quando vamos tomar alguma decisão. A volição não se baseia mais em argumentos puramente lógicos, e nossos gostos e desejos têm tanto peso quanto uma boa argumentação diante de muitas situações de nossas vidas. E esse peso foi inventado, foi colocado dentro de nossa cabeça, muito graças a novos moldes sociais, que são aqueles que estamos mais acostumados.
Apesar das origens dessa invenção ser de extrema importância, não irei me atrever a me aprofundar nesse assunto. Aqui basta afirmar que esse lado mais “humano” surgiu junto com uma nova sociedade, associada a queda de valores aristocráticos e a ascensão burguesa. Junto, imbricado, talvez para justificar essa mudança, também se criou a noção de “humanidade”. Os seres humanos deixaram as diferenças de lado, e a idéia mais aceita agora é que todos nós, por mais diferentes que somos, fazemos parte de um todo único chamado humanidade. Não possuo nada contra essa idéia, mas a total falta de consideração para as diferenças positivas pode prejudicar, como de fato prejudica, nossas relações sociais e emocionais. No Eu, aquilo que todos nós temos como o particular universalizado em nós mesmos, esse conflito também pode ser notado de certa maneira. Não como um reflexo imediato do que está apenas no universal, mas certamente com suas influências. Como uma parte não independente do todo. Se é que existe alguma parte de um todo que seja completamente independente dele...
O que notamos certamente é a origem de nossa angústia mais precisa. Temos sempre necessidade de sermos vítimas, nunca somos aquilo que realmente somos, mas um produto de nosso passado que é conseqüências de nossas ações. Mas nossas ações são ações nossas, mas que agora não são mais, pois as influências externas, das paixões e dos desejos, nos transformam apenas em fantoches conscientes. É exatamente essa falta de controle que nos deixa apáticos diante da radicalização de nossos sentimentos, e isso é aceito hoje em dia. Não existem problemas diante do domínio da paixão, que é até mesmo visto com uma espécie de ímpeto heróico. Isso poderia valer em tempos mais remotos, mas creio que hoje em dia existe a necessidade de um amadurecimento. Inclusive diante daquilo que vemos quando exatamente esse lado sentimental surgiu, para aprendermos que algumas coisas em nós mesmos podem mudar.
Esse ambiente volátil no qual vivemos está sempre em transformação intensa. Os relacionamentos humanos estão cada vez mais superficiais, pois a própria estabilidade social está questionada, colocada em segundo plano diante de valores (materiais) mais importantes. Diante desse quadro, o ambiente romântico não funciona mais. A instabilidade não permite mais sacrifícios em prol de “sentimentalismos de novela”, mas sim apenas diante de responsabilidades inseridas dentro de novos moldes sociais. A saber, a influência monetária e o status quo adquirido através do consumo constante de bens materiais. É somente para isso que o ser humano está moldado, não para viver seus amores burgueses e ultrapassados, que foram legítimos antigamente. Aqui o humano é sempre igual, mas em constante transformação para adaptação.
No Eu o processo é parecido. As influências da cultura romântica, desde a infância, influenciam sonhos que posteriormente serão quebrados diante da “dura” realidade. O Eu entra em constante conflito, com aquilo que o seu meio social exige dele e aquilo que ele busca idealmente, a saber, uma estabilidade repleta de alegria simples e singela. Felicidade esta, diga-se de passagem, também vendida como um produto a ser consumido.
Diante desse conflito acredito que seja de extrema importância estabelecer novos moldes para o posicionamento sentimental dos seres humanos. Não existe mais lugar para choros e fidelidade. Não existe mais espaço para um compromisso fixo e duradouro. Os novos padrões de vida, em muitos casos, não permitem que nos relacionemos devidamente com aqueles que queremos nos relacionar. O grande conflito ainda existe no nosso desejo mais íntimo de queremos, a qualquer custo, ainda manter viva os velhos costumes de casamento para a vida toda e o apego afetivo por longos períodos. Isso realmente pode acontecer, mas somente nos casos onde os envolvidos estão em completo acordo diante da efemeridade de suas situações e permitirem a existência de relacionamentos extraconjugais. Somente quando deixarmos velhos costumes, cuja essência está relacionada com a virtude, é que nascerá um novo ser humano. Mais solitário e deslocado. Um verdadeiro anti-social.
Mas o ser humano não é um ser anti-social, muito pelo contrário. O mesmo, apesar dos pesares, não permitirá que seu sentimentalismo morra sem, ao menos, tentar alterar alguma coisa a sua volta.

Observação: Os próprios termos relacionados já revelam a contradição especulativa gerada pela carência social do ser humano, que, conforme apresentado, contraria muito a sua essência efetiva.

sexta-feira, maio 20, 2005

mas... e freud?

Eu não sou louco. Sabe gente, a vida às vezes é estranha. E é justamente isso que deixam as coisas interessantes. Nunca saber exatamente o que acontecerá, até mesmo num futuro muito próximo. Ao dar qualquer passo podemos sempre cair. Mas o incrível é que não pensamos nisso a cada passo bem sucedido que damos, mas só quando realmente caímos. Não, eu não caí. Mas foi apenas mais um desses tropeços que sempre acontecem. Pelo menos comigo...
Eu vinha pela rua, caminhando do ponto de ônibus até a minha casa. Estava escuro. A luz naquele lugar nunca foi suficiente. Seriam dois postes por rua? Acho que era mais ou menos isso... Somando ainda que sempre um deles fica apagado, mais as árvores que fazem da penumbra sombra, pode-se concluir perfeitamente que estava escuro mesmo. Quando passo nessa rua eu sempre ando com cuidado, pois a calçada pode ser traiçoeira. Mas isso não importa, ou não interessa. O que eu quero que vocês saibam é que estava escuro.
A noite não estava fria. Por isso eu podia andar tranquilamente, sem me encolher todo ou tentando andar mais rápido para fugir logo do frio. Também não estava tão quente, o que permitia eu admirar a beleza da escuridão. Então comecei com meus devaneios. Vocês me conhecem, vocês sabem como eu sou. Apenas alguns minutos sozinho, fazendo alguma coisa mais “mecânica” (como andar), e eu levo meus pensamentos até o limite. Se é que isso existe. Mas isso também não importa. Comecei a cogitar a respeito de televisão, de música, de trabalhos para fazer e que deveriam ser feitos. E fui me aprofundando mais e mais nas teorias que só minha cabeça pode compreender. Subitamente eu vejo uma luz estranha que vinha de trás de mim. No começo acreditei ser um carro que virava a esquina e vinha pela rua, mas quando eu me virei para ter certeza eu vi a coisa mais estranha que tinha visto na minha vida! Mas só até chegar em casa e olhar novamente no espelho.
Lá estava aquilo. Uma bola estranha, de mais ou menos um metro de diâmetro, que flutuava suavemente na altura do meu peito. Ela estava a alguns passos atrás de mim, agora na frente, pois eu me virei e fiquei observando. Milhões de teorias físicas, biológicas e humanísticas pipocaram na minha cabeça na vã tentativa de explicar esse estranho fenômeno. Logo percebi que estava entrando em contato com uma raça alienígena de bolotas brilhantes e flutuantes que gostariam de me tomar como vítima para me analisar e, finalizada suas pesquisas, usarem das informações obtidas para destruir toda a raça humana. Mas a bola brilhante, um brilho meio ouro, meio prata, continuava em seu lugar sem apresentar aparente perigo.
Vocês sabem como eu sou curioso. Imediatamente eu me aproximei, e devagar eu coloquei a minha mão sobre essa bolota. Era quente, e seu toque lembrava o vidro. Mas continuava brilhando e flutuando. Tentei mover, e a bolota obedecia a todos os meus movimentos. Pude fazê-la abaixar sua altura, subir, ir para trás e para frente. Estava em minhas mãos. Eu disse então: “É minha!”.
“É minha, é minha, é minha”... Essas palavras ecoaram na minha cabeça, no estilo “fade out”, como nos desenhos animados. E quando esse processo terminou, eu notei que realmente era minha. Tinha caído de mim quando eu estava caminhando e pensando. O limite tinha sido atingido. Aquilo que eu contemplava na minha frente nada mais era do que a própria manifestação física dos meus sentimentos.
Tive a noção completa disso quando eu lembrei que fui incapaz de sentir medo quando a vi pela primeira vez. Também de me sentir feliz por ter brincado com ela. Também não conseguia rir ou chorar. Não conseguia sentir nenhum grau de afeto com qualquer coisa a minha volta. Apenas aquela bolota ali, flutuando, na minha frente. Olhei para os lados e não vi ninguém. A rua estava deserta, e pelo horário eu sabia que demoraria para alguém passar por ali. Então comecei a fazer os testes necessários para ter completa certeza. Pensei a respeito de meus familiares, e diante da imagem de perdê-los fui incapaz de sentir qualquer coisa. Pensei a respeito da minha namorada, mas fui incapaz de desejá-la. Pensei sobre meus bens materiais, meus desejos, meus sonhos. Tudo ainda estava lá, mas agora não tinham nenhum efeito emocional para mim. Engraçado isso? Racionalmente eu achava engraçado, se é que isso é possível, mas eu fui incapaz de sorrir. Uma sensação realmente muito estranha...
Eu pensava que devia sentir raiva, pois era inadmissível eu ficar sem sentimentos. Mas eu não conseguia sentir isso também. Eu queria sentir medo, por nunca mais experimentar dos prazeres sentimentais, como aquela alegria singela que temos quando estamos com alguém que gostamos, mas fui incapaz de sentir isso também. Era como se eu estivesse na total indiferença. Eu não tinha mais nenhum conflito, o que reinava absoluto era apenas meu lado racional que notava tudo isso.
Então apelei para esse lado, o único que tinha sobrado. Eu sabia que ficar sem sentimento seria horrível para a minha vida (mesmo que eu não pudesse sentir mais nada, sempre haveria aquela agulha racional me dizendo coisas a esse respeito, como eu sabia que era bom aquilo e como eu tinha perdido). Por isso eu tinha que solucionar, pegar novamente aquela bolota maldita! Como vocês podem notar hoje eu estou bem, com meus sentimentos novamente. E agora vocês estão curiosos para saber como eu fiz isso, certo?
Foi mais ou menos assim: Peguei aquela bolota, que obedecia a todos os meus comandos suavemente, e a elevei até a altura do meu peito. Encostei meu queixo na parte de cima, e com meus braços eu a abracei. Fui pressionando cada vez mais forte, como se quisesse quebrá-la. De repente ela sumiu, e eu caí no chão que voltou a ficar escuro. Ralei meus joelhos, e diante da dor que sentia eu amaldiçoei aquela bolota imbecil. Quando fiz isso, quando finalmente pude sentir prazer em xingar, eu fiquei feliz. E fiquei feliz por ter ficado feliz, de ter obtido novamente essa capacidade. E voltei para casa pensando nisso tudo, mas sempre olhando para trás para ver se não caía mais nada.
Na minha cama fiquei pensando que perder os sentimentos seria muito ruim. Eu não queria isso... Por outro lado eu não ligaria de perder algumas outras coisas, coisas que eu até gostaria de jogar fora. Seria legal esquecer a virtude no banco da praça, ou se questionar “mas onde eu deixei minha moral?”. E esse é um dos motivos pelos quais coloquei a foto da minha sanidade por toda a cidade, com o título de “procura-se”.

quinta-feira, maio 19, 2005

anões de jardim cantando ilariê

Olhe moço, a gente veio de longe. Chegamos aqui e as portas estavam fechadas. Por isso eu bati daquele jeito... Não foi desespero não. Posso falar? Deixe explicar certinho para você entender bem. Acontece que existe um grande buraco na minha blusa, pode ver? Não, esse é onde eu coloco a cabeça... Esse menor aqui, no braço. Aconteceu que no ônibus esbarraram em mim. Não foi de propósito, eu sei, com o ir e vir do balançar mecânico do ônibus eu sei que essas coisas podem perfeitamente acontecer. Por conta desse mesmo balançar nada harmônico e barulhento é que esse furo aconteceu. Várias vezes esbarraram em mim, nesse mesmo lugar, nesse mesmo braço. Se bobear eu ainda estou com o braço roxo. Mas isso não importa agora. O que importa é quando acontece uma vez você deix a, acontece duas e você esquece, acontece a terceira e você olha feio, na quarta você muda de posição e na quinta você tem dois caminhos: pode mudar de lugar, ou conversar com a pessoa que está te incomodando. Como o ônibus estava lotado, eu não podia fazer a primeira opção. O jeito foi me virar e olhar bem feio para a pessoa de modo que ela percebesse que estava me atrapalhando. Olhe moço, não me julgue pelo o que vou falar. Acontece que me virei e então eu vi o anjo mais lindo do céu ali do meu lado, na Terra. Foi paixão mesmo, essa coisa que vem de dentro. O senhor poderia buscar água para mim? Por gentileza? Não querendo ser abusado, mas já abusando. Foi por isso que bati aqui, para pedir ajuda. Olhe esse buraco! E pensar que tudo começou por conta dele... Eu fiquei embasbado mesmo, pois essa blusa aqui é nova! Demorei horas rodando lojas e mais lojas atrás de alguma coisa que convinha. Fiquei bravo. Mas quando virei e a vi... Tudo mudou da noite fria e chuvosa de segunda-f eira para um fim de tarde quente de sábado. Ela era linda, seu moço. Seus olhinhos claros logo se encontraram com os meus, e eu notei imediatamente as curvas delicadas de seu rostinho. Ela imediatamente fez um cara de espanto diante do meu semblante que estava provavelmente assombroso. Logo depois ela pediu desculpas, com uma voz suave e tranqüila, mas que transportava pelo ar uma incrível carga de arrependimento. Olhou para baixo, tímida. Claro, meu coração derreteu nessa hora. Eu sorri e falei que não tinha problemas e me virei novamente, com medo que o meu olhar insistente pudesse deixá-la ainda mais constrangida. Claro, seu moço... Como? Moreninha, com os cabelos lisos até mais ou menos os ombros. Notei tudo rapidamente, e olhando pela janela do ônibus eu lembrava dos detalhes dela, que estava logo ao meu lado. Eu podia sentir seu cheiro... E fiquei feliz por estar ali. Então ela me cutucou pela sexta vez, e eu olhei novamente. Ela pediu desculpas de novo e sussurrou no meu o uvido algo do tipo: “hoje está difícil”. Não lembro bem, mas ela queria dizer que não tinha como ser diferente, que ela ia continuar me cutucando. Sinceramente? O ônibus estava realmente muito lotado, e era difícil se mover lá dentro. Mas ela podia manifestar uma determinada intenção de alterar sua posição, o que não aconteceu. Você não acha? Ela permaneceu lá, me cutucando pela sétima, oitava, nona... Até que perdi as contas. A blusa já estava furada. O quê? Com um chaveiro estranho que estava no zíper da mala dela. Pois é, mas o chão do ônibus estava que era só pés sujos. De qualquer forma eu não estava mais me importando com esse furo aqui. Eu respondi para ela dizendo que realmente aquilo estava uma “merda dos infernos”. Ela abriu os olhos diante do meu vocabulário respeitadíssimo e elogiado nas mais altas rodas sociais. Então sorri, e também pedi desculpas dando a desculpa que estava cansado, que o dia tinha sido cheio... Essas coisas. Calma, eu bati aqui justamente por conta disso! Por conta da pressa! Olhe, não. Não estou fugindo, estou perseguindo! Ela? Não... Ela não. Ela foi para casa, eu sei onde ela mora agora. A gente conversou, você sabe... Durante aquele trajeto, um pouco depois, quando o ônibus esvaziou um pouco e ficamos frente a frente. Você não tem nada a ver com isso seu moço, você não estava lá. Não precisa ficar com medo, é apenas uma faca. Não, não vou usar nada disso com o senhor... Obrigado pelo copo d´água. Mas como eu dizia, ela vinha de longe e ia para mais longe ainda. Eu também, veja o senhor, moro aqui perto e isso aconteceu lá para os lados das indústrias, que é onde eu trabalho. Essa faca sempre está comigo, para casos como esse. Talvez, não queria usar ela, mas há necessidade. Conversamos bem seu moço, contra ela não tenho nada. Mas aconteceu que descemos no mesmo ponto, logo ali embaixo. Na descida eu vi o senhor passando por ali, voltando com uma sacola de mercado. É, não é engraçado? Então eu a vi olhando para o senhor. M as um olhar estranho, seu moço... Tanto que não agüentei de curiosidade e perguntei: “Mas que porra é essa?”. E ela não me respondeu logo de cara. O senhor, seu moço, entrou aqui nessa porta e ela então me confessou um segredo. Fofocas, como ela mesma acrescentou no final. Não, não posso falar. Mas é sobre você e uma tal de Vânia. Claro, claro. Eu sei, é engraçado. Não, o seu moço não precisa se justificar para mim, eu estou apenas de passagem. Tudo bem. Acontece que outra coisa aconteceu. Ali, no meio daquelas sombras, pode ver? Foi quando... Então está bem. Eu entendo. Desculpe incomodá-lo e obrigado pela água. Até mais.

quarta-feira, maio 18, 2005

o dia que deus chorou

Deus olhou para suas criações e chorou. Chorou tanto que seu pranto se espalhou por todos os cantos do universo. Como eu faço parte do universo eu ouvi esse choro. Ouvi e fiquei comovido. Diga-se de passagem, ele chorava feito um bebê. No fundo até vejo que ele tem algumas características infantis, sempre brincando com tudo, mas isso não tem problema. Se não fosse comigo seria até mesmo bonitinho de ver deus espernear. De qualquer forma eu fui ter uma conversa com ele por conta disso.
Abri as portas do céu, que estava uma zona. Um inferno mesmo, tudo desorganizado. Entrei pela entrada principal naquele palácio celestial, cujas paredes mudavam de cor sempre. Mas sempre em tons pastéis, o que me deixava enjoado. Mas isso não tem problema, sempre soube que deus tinha mau gosto para decoração interior, por isso já estava preparado. Pelo chão do salão havia pacotes amassados de salgadinho chips, latas vazias de refrigerante diet e papéis de chiclete rasgados. Uma verdadeira nojeira, como o chão de festa de criança depois da festa. Deus estava sentado no fundo do salão, na sua poltrona preferida que tinha alguns rasgos. Ele estava com a mão na cabeça, cabisbaixa, e eu também poderia dizer que estava com os olhos fechados. Seu corpo estava largado. Talvez em profunda meditação, como se estivesse profundamente arrependido de alguma coisa. Cheguei mais perto e ouvi sua voz rouca e grave:
- Finalmente! Estava esperando por você.
- Eu sei. Eu ouvi seu choro.
Quando eu falei isso, ele começou a soluçar. Eu sei, esse é um dos meus defeitos: ir direto ao assunto... Mas não posso evitar. Quando há um problema eu quero logo resolvê-lo. Deus, de fato, estava com problemas. Tudo bem, é um pouco mais complexo que isso, mas eu não podia dizer isso na cara dele. Apesar de ser preciso em relação aos problemas, eu tenho certa sensibilidade.
- Você sabe – deus quebrou o silêncio – Não costumo olhar para minhas criações por sempre acontecer isso comigo.
- Eu sei.
- Mas acontece que sou curioso. Quero saber como estão indo, o que estão fazendo... Sabe, alguns me chamam de pai...
- Eu sei.
- Pois é. Um pai pode se culpar por isso? Mas olhe só o que eles fazem!
- Não precisa ficar assim...
- Como não? Olhe só, é deprimente!
- Eu sei... Mas relaxe. Você é o pai, mas você não pode mandar para sempre... Um dia sua criação cresce, fica independente e depois disso não há mais controle.
- Mas e os conselhos? Os conselhos que eu tenho para dar? Ninguém escuta?
- Escutam como um velho sermão ultrapassado. As coisas mudam, pois somos efêmeros. Queremos a vida, queremos coisas novas... Depois que tudo acaba, daí é outro problema.
- Mas... Mas...
- Você não tem mais poder sobre seus filhos. E é assim que as coisas acontecem. É natural. Agora quem dita as regras são eles mesmos. Você está ultrapassado – Era exatamente isso que eu queria dizer.
Então deus se acomodou melhor na cadeira e finalmente levantou a cabeça para me encarar. Seus olhos profundos transmitiam um desgosto enorme, um desgosto que encheu meu coração de pena. Mas eu não podia fazer nada, apenas sentir dó, sentir compaixão por deus. O que, de acordo com os moldes católicos, é divertido. Mas não podia transparecer achar aquilo legal, pois deus parecia magoado. Eu me aproximei e bati em seus ombros dizendo:
- Relaxe velho, as coisas são assim mesmo. Você pode não concordar com um monte de coisas, mas também não tem mais poder para mudá-las. Por mais que você tenha tentado, agora é tarde. Divirta-se, sinta-se livre para rir disso.
- Talvez você tenha razão...
- Talvez.
Eu olhei bem para os olhos dele, sorri sutilmente. Ele olhou para baixo, mas logo depois levantou seu rosto já com um meio sorriso nos lábios. Aquele era o deus recuperado que eu conhecia. Então sorri positivamente para ele, e virei de costas, saindo lentamente. Caminhando como se o problema já estivesse resolvido. Na porta do salão celestial eu me virei e olhei para ele, que ainda estava sentado, e disse:
- E qual o problema? É só calça amarela com camiseta bordô e boné pink...

terça-feira, maio 17, 2005

Banho de chuva

Existe uma diferença entre ser aquilo que somos realmente e aquilo que queremos ser. Veja bem, projetamos em nós mesmos aquele ideal. Reunimos nele tudo o que achamos bom, útil e maravilhoso e tentamos procurar alguma coisa em nós mesmos que corresponda a qualquer mínimo detalhe que seja nosso ideal. É por isso que somos pessoas infelizes...
Não me olhe com essa cara. Você sabe muito bem o que eu quero dizer, você já sentiu coisas parecidas. Disso eu tenho certeza. Caso contrário você não estaria aqui, não pensaria como você pensa hoje e não sorriria mesmo assim. E qual o problema de sorrir quando percebemos que tudo está acabado? Eu sempre faço isso. Aliás, hoje eu fiz isso novamente.
Mas voltemos aos seus ideais. Sabemos que nunca seremos como gostaríamos de ser. E essa busca sem fim, porém finita, é o que gera todas as nossas angústias e todo o nosso sofrimento. Não é possível, nunca foi e nunca será. Até mesmo o pensamento muitas vezes foge de nosso controle. Somos uma mistura de várias coisas. Acontece que muitas delas nós não controlamos. Mas isso também não quer dizer que nossa vida está desgovernada. Acreditar nisso é negar a sua essência, aquilo que retorna para você mesmo e gera as dúvidas. Se não tivéssemos alguma espécie de controle não teríamos dúvidas.
E é isso que consome meu cérebro agora. Um monte de dúvidas que não têm o menor sentido. Mas eu não posso evitar. Eu sei que você é como eu. Não adianta negar. A pessoa mais estúpida é capaz de formular as questões mais complexas a respeito de nossa vida atormentada. Mesmo que seja somente para ela. Acredito fielmente que está em algum lugar, no fundo...
O processo de perceber tudo isso é doloroso. Um dia acordamos, comemos alguma coisa, e então paramos para pensar. Acontece que um pensamento leva a outro, que trás lembranças, que está ligada com outras coisas. E todo esse processamento vai remoendo nossa mente em busca de perguntas para nossas respostas já prontas. E quando percebemos, estamos com dúvidas cujas soluções não bastam. Teorias são somente teorias. Filosofia é apenas especulação.
Depois disso vem a tristeza, que é como me sinto agora. E, não sei você, penso que ela não tem fundamento. Mas eu sei que é apenas uma fase... Algo que pode durar apenas algumas horas. Mas é nesse momento que eu percebo as coisas com mais claridade, que eu consigo sorrir de mim mesmo. Isso, o jeito que estou agora. Não é maravilhoso? E você provavelmente se pergunta de onde vem esse sorriso então, sendo que estou triste. E eu apenas sorrio novamente por saber que não tenho uma resposta.
Esse é o final da história. Você sabe muito bem o que eu quero dizer. Eu sei, todo mundo passa por isso. É fase. Seus conselhos vão me dizer sempre a mesma coisa. Mas, às vezes, seria bom não ouvir mais nenhum conselho. Não ver mais ninguém. Ficar sozinho, absolutamente. Até mesmo sem a minha própria existência.

segunda-feira, maio 16, 2005

João e os sapatos vermelhos numa manhã de sol

João era aquilo mesmo, uma mistura de angústia e dúvidas sobre duas pernas magras. Ele sempre via as coisas com seus olhos pessimistas, apesar de acreditar fielmente que um dia as coisas poderiam melhorar. Mas que coisas? Apenas falar “coisas” era uma maneira muito vaga de se expressar. E João sabia disso, por isso não dizia mais nada além de “as coisas vão melhorar”. Seria ele realmente um pessimista? Mas isso não importa. O que interessa aqui é apenas uma coisa.
Trabalhava longe de casa. Demorava horas e horas dentro de um ônibus lotado entre a sua casa e o lugar onde trabalhava. Na verdade não era apenas um ônibus, mas uns três. Quando chovia eram quatro. Não gostava de andar de ônibus, mas sabia que não podia ser diferente, por isso aceitava essa situação. Pelo menos aparentemente. No trabalho as coisas não eram diferentes. Sempre a mesma coisa: cartão, digitação, almoço, digitação e cartão. E todas as noites, quentes ou frias, o ritual era sempre o mesmo até deitar em sua cama e fechar os olhos. Uma pessoa comum, vocês poderiam dizer, mas com alguma coisa especial. Como cada um que lê essa história? Não.
Mas não se ofenda com essas declarações. João era especial, mas você não. João é uma criação da minha cabeça, e a sua história pode não ser real, mas é verdadeira. E isso o torna especial. E você? Infelizmente você não é uma criação da minha cabeça. Não que isso seja condição suficiente para você não ser especial, mas não é da maneira de João. Mesmo não sendo como ele, acredito que você entende o que quero dizer.
Mas você, querido leitor, fazendo parte dessa história, ao lado de João, tão especial, acredito que de certa maneira também tenha sua carga de importância. Em outras palavras, você também vira parte dessa trama, pois está presente nessas linhas. E, sendo assim, talvez você também seja uma criação da minha cabeça. Igual ao João. Dessa forma você também pode ser especial como João. Então não existem motivos para fazer essa cara de “o que é isso?”. Se bem que até deve existir motivos para isso...
Mas e João? Nada. João nada. Eu apenas queria dizer que ele não usa sapatos vermelhos em manhãs de sol.

quinta-feira, maio 12, 2005

Série "Amigos no Cinema"

O Fabuloso Destino de Valdinéli Martins

Valdinéli Martins, mais conhecido como Martins, estava em sua casa, como sempre. Ele resolveu então sair naquela noite, com seus queridos amigos, para mais uma noite de farra cheia de vinho no Largo da Ordem. “Não pode faltar perfume”, pensou. Então imediatamente se dirigiu para o banheiro onde foi passar seu perfume, pois a noite prometia. Por obras de suas mãos desastradas, que seus amigos conheciam muito bem, como quando ele derramou cerveja na casa de um deles, ou como sujou esse mesmo amigo de coca-cola quando estavam comendo pizza, o perfume caiu de sua mão e a tampa voou até o ralo. Martins, sem pestanejar, foi até o ralo e o abriu para retirar a tampa de lá de dentro. Porém o que ele achou dentro do ralo foi uma incrível caixa de fósforos, com várias lembranças de uma pessoa desconhecida.
No dia seguinte Martins passou a procurar o dono daquela desconhecida caixa. Revirou toda sua casa em busca de mais pistas, até que resolveu perguntar para uma vizinha idosa quem poderia ser. Ela deu o nome, um tal de Prussiano (sobrenome). Então Martins saiu em busca dele para devolver a caixa.
Depois de várias pesquisas Martins achou o dono da caixa e foi pessoalmente devolvê-la. Prussiano ficou extremamente emocionado e agradeceu Martins prontamente. Mas Martins não queria agradecimentos emocionados, mas sim dinheiro no bolso, e pediu uma recompensa financeira. Prussiano, ainda emocionado, não questionou o pedido de Martins e lhe deu uma considerável soma de notas de cem reais. Martins ficou alegre, contente e feliz.
Então Martins começou a perceber a vida das pessoas com as quais ele se relacionava, seus amigos e seus parentes. Começou a se meter na vida de todo mundo. Com alguns colegas de trabalho, Martins arranjou um romance, no qual culminou em uma briga extrema. Porém, no ápice do relacionamento, Martins aproveitou o êxtase emocional para pedir de volta o dinheiro que havia emprestado, mas que devolveram com juros corrigidos que deixariam qualquer banqueiro com inveja. Também fez com que seu pai acreditasse que um determinado duende de jardim havia viajado pelo mundo, e assim fez com que o velho saísse correndo de casa desesperado achando que objetos tinham ganhado vida. O pai de Martins acabou no hospício, poupando para ele o alto custo de sustentá-lo. Na venda perto da sua casa, fez com que um garoto menos dotado intelectualmente assumisse as responsabilidades do comércio, diante do seu chefe malvado e estúpido, de modo que agora era muito mais fácil para Martins ludibriar o comerciante obtendo frutas e verduras a preços mais baixos.
O que Martins não contava era com a aproximação de uma bela garota, que era “garçonete” de zona. Martins a conheceu por acaso, quando estavam no ponto de ônibus esperando o biarticulado. A moça, nessa ocasião, deixou cair um estranho objeto, um álbum com várias fotos. Martins imediatamente achou fantástica sua sorte, e pediu resgate pelo objeto com grande valor “sentimental” (as fotos tinham muito sentimento). A moça não acreditou no começo, mas Martins até mesmo enviou algumas fotos, por e-mail, para ela perceber que estava falando sério. A moça trabalhava em dobro para recuperar as fotos, que eram pornográficas caso você ainda não tenha entendido, e o que poderia comprometer sua futura vida de “modelo e atriz”. Ela foi pagando pelas fotos, até que no final Martins não queria mais dinheiro, mas sim favores sexuais. Dessa forma, sempre ameaçando enviar para os pais da moça uma cópia das fotos, Martins conseguiu sexo profissional grátis.
Feliz da vida, Martins pegou uma moto, recém adquirida graças a sua nova fase financeira, e saiu pela cidade cantarolando e pilotando, sempre sorrindo, alegre, feliz e contente.

terça-feira, maio 10, 2005

Flores Mortas No Jardim de Espelhos
Sinceramente? Existem várias diferenças entre quaisquer pessoas. Isso é inegável. Apenas basta um olhar qualquer para notarmos que até mesmo as pessoas mais próximas são diferentes. Acontece que entre nós isso é ampliado. Sua vida, cheia de idas e vindas em torno de um ponto estúpido, preenchida com palavras vazias e ações deprimentes, que faz da prostituição uma virtude, é diferente da minha. A minha, mesmo que não seja um exemplo de moral, pelo menos é questionada pela principal pessoa que nela está inserida: eu. E você prossegue no seu cotidiano mecânico, em seus relacionamentos superficiais e no seu posicionamento egocêntrico. Noto tudo isso. Não levanto nenhuma pena para te ajudar, por não concordar com essa sua personalidade estupidamente carente de intelecto e noção de convivência social. O que falta é um incrível amadurecimento, notar que as pessoas não são suas escravas e deixá-las de fora de seus problemas infantis. Da mesma forma, não levanto nenhuma pena para te foder. O que me importa se você está bem ou não? O que importa meus caprichos diante de sua estupidez? O que importa o seu julgamento sobre minha pessoa? E ainda me pergunto: Como posso cogitar que sua incrível cabeça, que nada mais é do que um produto plástico da sua vida massificada, é capaz de tecer alguma espécie de pensamento digno de consideração? A mensagem está clara, mas eu sei que para você eu terei que explicar melhor.

segunda-feira, maio 09, 2005

Hum!

Sobre aquela mesa havia um pesado pedaço de carne crua. Cheia de gordura, ainda escorria sangue em alguns lugares. Cheirava excremento de verme. Em algumas partes já estava verde. Ele sentou diante dessa carne podre, e suspirou fundo, com os olhos fechados. Sua boca encheu de saliva, e seu estômago respondeu ao olfato com um leve tremor. Não era de ânsia. Ele abriu os olhos contemplando os detalhes do pedaço de carne, suas curvas, e até mesmo onde era possível ver os vermes a olho nu. Também notou a mesa, que estava suja de sangue podre, sangue seco, que já era de um vermelho quase preto. Pelo chão, restos de alimentos que até mesmo os ratos, seus únicos companheiros, rejeitavam. Pegou um garfo na mão direita e, como se seguisse um ritual muito importante, lentamente limpou o mesmo em um guardanapo que havia recém retirado do bolso. Um guardanapo de branco impecável. Repetiu esse procedimento com uma faca, que retirou do mesmo bolso. Agradeceu, olhando para o céu, sua refeição. Espetou uma parte gordurosa daquele pedaço de carne crua e podre. Seu prazer estava prestes a começar.

sexta-feira, maio 06, 2005

o gosto da sua pele
imunda e salgada
cria em minha língua
coisas que me dão prazer

das flores que ganha dele
sinto o sexo recente
pelo cheiro e sorriso
que vêm de você

o violento crime
retorna à vida
de tempos em tempos
há sangue escorrendo

agora criou coragem
nunca houve claridade
no fundo desse poço
só eu pegando fogo

quarta-feira, maio 04, 2005

I´ll always love you

Eu sei querida, às vezes nem tudo sai como a gente espera. Não somente na nossa vida, mas também na vida de todo mundo. Está vendo aquele cara logo ali? Ele também tem problemas... Que podem parecer com os seus, com os meus. Como iremos saber? Qualquer coisa agora é motivo para infelicidade. Qualquer erro de sua parte é sinônimo de burrice. Qualquer ponto fora da linha é algo para se arrepender amargamente... E continuamos assim, como sempre fazemos, olhando um para a cara do outro e sempre imaginando que poderia ser diferente. Olhe aquele cara de novo. Está vendo o que ele está fazendo? Teria coragem? É, eu também.

terça-feira, maio 03, 2005

Para quê?

“E o modo mais habitual de enganar-se e de enganar os outros: pressupor no conhecimento algo como já conhecido e deixá-lo tal como está” (Hegel - Fenomenologia do Espírito)