quarta-feira, maio 18, 2005

o dia que deus chorou

Deus olhou para suas criações e chorou. Chorou tanto que seu pranto se espalhou por todos os cantos do universo. Como eu faço parte do universo eu ouvi esse choro. Ouvi e fiquei comovido. Diga-se de passagem, ele chorava feito um bebê. No fundo até vejo que ele tem algumas características infantis, sempre brincando com tudo, mas isso não tem problema. Se não fosse comigo seria até mesmo bonitinho de ver deus espernear. De qualquer forma eu fui ter uma conversa com ele por conta disso.
Abri as portas do céu, que estava uma zona. Um inferno mesmo, tudo desorganizado. Entrei pela entrada principal naquele palácio celestial, cujas paredes mudavam de cor sempre. Mas sempre em tons pastéis, o que me deixava enjoado. Mas isso não tem problema, sempre soube que deus tinha mau gosto para decoração interior, por isso já estava preparado. Pelo chão do salão havia pacotes amassados de salgadinho chips, latas vazias de refrigerante diet e papéis de chiclete rasgados. Uma verdadeira nojeira, como o chão de festa de criança depois da festa. Deus estava sentado no fundo do salão, na sua poltrona preferida que tinha alguns rasgos. Ele estava com a mão na cabeça, cabisbaixa, e eu também poderia dizer que estava com os olhos fechados. Seu corpo estava largado. Talvez em profunda meditação, como se estivesse profundamente arrependido de alguma coisa. Cheguei mais perto e ouvi sua voz rouca e grave:
- Finalmente! Estava esperando por você.
- Eu sei. Eu ouvi seu choro.
Quando eu falei isso, ele começou a soluçar. Eu sei, esse é um dos meus defeitos: ir direto ao assunto... Mas não posso evitar. Quando há um problema eu quero logo resolvê-lo. Deus, de fato, estava com problemas. Tudo bem, é um pouco mais complexo que isso, mas eu não podia dizer isso na cara dele. Apesar de ser preciso em relação aos problemas, eu tenho certa sensibilidade.
- Você sabe – deus quebrou o silêncio – Não costumo olhar para minhas criações por sempre acontecer isso comigo.
- Eu sei.
- Mas acontece que sou curioso. Quero saber como estão indo, o que estão fazendo... Sabe, alguns me chamam de pai...
- Eu sei.
- Pois é. Um pai pode se culpar por isso? Mas olhe só o que eles fazem!
- Não precisa ficar assim...
- Como não? Olhe só, é deprimente!
- Eu sei... Mas relaxe. Você é o pai, mas você não pode mandar para sempre... Um dia sua criação cresce, fica independente e depois disso não há mais controle.
- Mas e os conselhos? Os conselhos que eu tenho para dar? Ninguém escuta?
- Escutam como um velho sermão ultrapassado. As coisas mudam, pois somos efêmeros. Queremos a vida, queremos coisas novas... Depois que tudo acaba, daí é outro problema.
- Mas... Mas...
- Você não tem mais poder sobre seus filhos. E é assim que as coisas acontecem. É natural. Agora quem dita as regras são eles mesmos. Você está ultrapassado – Era exatamente isso que eu queria dizer.
Então deus se acomodou melhor na cadeira e finalmente levantou a cabeça para me encarar. Seus olhos profundos transmitiam um desgosto enorme, um desgosto que encheu meu coração de pena. Mas eu não podia fazer nada, apenas sentir dó, sentir compaixão por deus. O que, de acordo com os moldes católicos, é divertido. Mas não podia transparecer achar aquilo legal, pois deus parecia magoado. Eu me aproximei e bati em seus ombros dizendo:
- Relaxe velho, as coisas são assim mesmo. Você pode não concordar com um monte de coisas, mas também não tem mais poder para mudá-las. Por mais que você tenha tentado, agora é tarde. Divirta-se, sinta-se livre para rir disso.
- Talvez você tenha razão...
- Talvez.
Eu olhei bem para os olhos dele, sorri sutilmente. Ele olhou para baixo, mas logo depois levantou seu rosto já com um meio sorriso nos lábios. Aquele era o deus recuperado que eu conhecia. Então sorri positivamente para ele, e virei de costas, saindo lentamente. Caminhando como se o problema já estivesse resolvido. Na porta do salão celestial eu me virei e olhei para ele, que ainda estava sentado, e disse:
- E qual o problema? É só calça amarela com camiseta bordô e boné pink...

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