terça-feira, maio 24, 2005

persistência da paixão de dali

Zezinho não tinha cara de quem ia espirrar, ele era feio mesmo. Pelo menos era assim que as meninas se referiam a ele. Algumas, as mais quietinhas, que ficavam sentadas na frente da classe, tinham pena dele. As outras, as mais bonitas e populares, tiravam o sarro do pobre do Zezinho, que no fundo não tinha nenhuma culpa de ser assim. Ana estava entre elas.
Zezinho não era uma pessoa popular, apesar de ser bem conhecido pela falta de dotes estéticos dentro dos padrões aceitos normalmente. Por conta disso desde pequeno foi um garoto solitário. Tinha medo de se aproximar das pessoas, apesar de gostar de quase todas elas. Bastava puxar conversa com ele que seriam horas de uma boa conversa. Mas hoje em dia ninguém liga mais para isso. Ana também não ligava.
Ana estava no grupo das meninas bonitas. Zezinho admirava essas garotas, mas sabia que nunca teria chances com nenhuma delas. Às vezes ele até pensava a respeito, mas só até se olhar no espelho novamente. Ele sabia de tudo, ele tinha plena consciência.
O tempo passou e Zezinho cresceu. Ana também. Já não eram mais crianças, e os hormônios já exerciam maiores influências em seus corpos e mentes. Ana sempre ia para as baladas, e não se importava com o vestibular que estava chegando. Zezinho não tinha grandes amigos, apenas alguns garotos que tinham vergonha de estar do lado dele, por isso ficava sempre em casa. Zezinho não pensava em Ana, e nem Ana em Zezinho. Mas eles estudavam juntos, e Ana dava risada com suas amigas quando Zezinho passava perto delas. Zezinho fingia não perceber.
Certo dia rolou um boato que Zezinho estava namorando. Ninguém acreditou, e todo mundo achou que era invenção dele, numa vã tentativa de se tornar mais popular. Mas Zezinho, nessas alturas do campeonato, estava pouco se lixando em ser popular ou não. Isso era coisa para Ana e suas amigas... Zezinho estava realmente namorando.
Ninguém deu bola, até que um dia ele foi visto por um colega saindo da sala de cinema de arte ao lado de uma garota. Perguntaram como estavam, e ele disse que pareciam claramente um casal de namorados, andando de mãos dadas e tudo mais. Ana ouviu essa história, e lembrando de quem era Zezinho não podia acreditar. Ana então questionou os dotes físicos da namorada de Zezinho num tom irônico, dando risada da provável baranga que seria. O colega, que tinha visto de perto a cena tão comentada, falou que era exatamente o contrário, que Zezinho tinha uma namorada linda. E, para completar, ainda disse que era uma das meninas mais bonitas que ele já tinha visto. Então a história do namoro de Zezinho começou a gerar polêmica.
Todos queriam ver isso de perto. Ana entre eles. Passaram a conversar mais com Zezinho, para saber o que ele gostava e como ele era. Descobriram várias coisas interessantes. Ele era bem interessado em arte, em filosofia, em literatura... Ele gostava de livros, de cinema, de museus. Sempre ia para esses lugares. Zezinho sabia que o início do seu namoro ia gerar polêmica, mas como já disse ele estava pouco se lixando para isso. Então resolveram ir aos mesmos lugares que ele para ver se o viam com sua namorada. Ana também aderiu a esse movimento. Zezinho se mostrava cada vez mais feliz.
Dias se passaram até que Ana e suas amigas resolveram ir a uma feira de livros que estava tendo na cidade. Ana não gostava dessas coisas, mas precisava comprar alguns livros que iam cair no vestibular. Zezinho já tinha lido todos, e foi apenas por diversão. Ana esperava encontrá-lo lá, e esse foi o principal motivo pelo qual ela quis comprar os tais livros. Então os dois se encontraram, e Zezinho estava com a namorada.
Ana realmente não acreditava em seus olhos. Zezinho namorava uma garota muito linda, bonita de verdade. O sorriso dela era encantador, e ela chamava atenção de todo mundo. Zezinho parecia completo ao lado dela, e até menos feio. E ela também parecia feliz ao lado de Zezinho. Ana custava a acreditar, por isso resolveu investigar mais a fundo. Foi até lá e puxou conversa com Zezinho, na maior cara-de-pau que eu sequer tenho palavras para escrever. Mas Zezinho foi gentil com ela, mesmo porque ele não tinha motivos para ser diferente. A namorada de Zezinho, que se chamava Luciana, foi ainda mais simpática com Ana após saber que os dois estudavam juntos. Ana ficou sabendo que Luciana estudava, mas trabalhava também. Era funcionária de uma empresa de grande porte, e batalhava todo dia para pagar seu cursinho e comprar seus livros. Ana não viu nada de errado nela, muito pelo contrário, era uma pessoa admirável. O que deixou Ana ainda mais intrigada.
Luciana era realmente uma pessoa maravilhosa. Ana pensava nisso e pensava também em Zezinho, e se perguntava o que ele tinha para atrair uma garota como Luciana. De certo ele a enganava. Mas nessas alturas eles já estavam namorando fazia tempo, o que fez Ana acreditar que Luciana, com a personalidade que tinha, não se deixaria enganar facilmente por tanto tempo. Zezinho também não era rico, e Luciana não fazia o tipo que namorava por dinheiro. E os dois, na feira de livros, pareciam tão felizes juntos. E isso era o que mais incomodava Ana. Zezinho, o feio, namorando uma garota maravilhosa, inteligente e extremamente gente boa, e os dois curtindo um ao outro.
Então Ana resolveu se aproximar de Zezinho no colégio. Passou a sentar mais perto dele para descobrir o seu jogo. Zezinho não deu muita bola, e até achou estranho Ana se aproximar assim, pois ela era uma garota popular e nunca uma garota popular havia se aproximado dele. E Ana, além de popular, era bonita. Mas Zezinho, como já disse, estava pouco se lixando para isso.
Com o tempo e a proximidade Ana notou que Zezinho era um pouco mais do que um cara feio. Ele tinha uma visão de mundo diferente, e muitas dessas coisas ele conversava com a Ana. Se tornaram amigos, e Zezinho sempre falava da Luciana e de seu namoro, como foi incrível ter conhecido sua namorada e tudo mais. Ana ouvia atentamente, sempre tentando pegar alguma coisa “no ar”. E Zezinho era apenas ele mesmo.
Mas Ana começou a perceber que Zezinho vivia em outro mundo, diferente do dela. Zezinho não se importava com o que ela pensava dele, e isso ele deixava bem claro quando falava de suas idéias. Ana discutia política, religião e arte com ele. E foi então que Ana percebeu que não sabia nada de política, de religião e muito menos de arte. Zezinho recomendava filmes e livros, os quais Ana nem chegava perto. Pelo menos no começo, mas que depois de um certo tempo ela até começou a se interessar. As idéias de Zezinho faziam sentido, e muitas vezes ele a convencia quando explicava filosoficamente as coisas.
Ana se pegou um dia lendo um livro apenas para discutir com Zezinho. Ana também percebeu que sugeria filmes diferentes para suas amigas, apenas porque Zezinho havia recomendado. E ela queria ver apenas para poder conversar com ele. Ela gostava de conversar com ele, ela aprendia muitas coisas. Até mesmo discutia literatura com ele, e com surpresa ficou sabendo, por ele mesmo, que Zezinho também escrevia. Ela pediu para ler seus textos, que Zezinho passou com grande prazer.
As amigas de Ana não entendiam o que ela estava fazendo. Ser vista com Zezinho, mesmo ele namorando uma garota maravilhosa, não era muito bem aceito pelas garotas populares. Ana sabia muito bem disso, mas chegou num ponto em que ela não acreditava mais nisso. E ela agora pensava em Zezinho não mais como o cara feio, mas sim como o Zezinho mesmo, aquele cara estranho, mas admirável. Ana pensava demais nele, mais do que gostaria.
Então ela percebeu tudo. Sim, Zezinho tinha um jogo no qual Luciana havia caído. Não era um jogo de sedução, não era um jogo dele. Era apenas o seu próprio jeito de ser, de ser aquele Zezinho e nada mais. Zezinho, como já escrevi, estava pouco se lixando. E até mesmo essa maneira dele encantava Ana, que notou que todos os seus comentários sobre a beleza de Zezinho não faziam a mínima diferença para ele. E foi nesse “jogo”, inventado por Ana, que ela mesma caiu.
Mas Zezinho não se importava, e tenho minhas dúvidas se ele percebeu isso. Luciana era encantadora, e era de quem Zezinho realmente gostava. Luciana, além de mais inteligente e letrada, também era mais bonita que Ana. E Ana sabia disso, sabia de tudo isso. O que a deixava mais triste era saber que não impressionava em nada Zezinho. Queria sua admiração, queria que ele a desejasse como ela o desejava. Mas não foi assim que aconteceu. Zezinho, feliz, tomava banho de chuva, via seus filmes estranhos e lia seus livros ao lado de Luciana, que sempre o apoiava e o acompanhava. Enquanto Ana agora estava um pouco mais isolada, pensando apenas em como impressionar Zezinho e decidida sinceramente a conquistá-lo. Era isso que ela sentia e queria. Mas, como eu já disse, Zezinho estava pouco se lixando.

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