terça-feira, agosto 17, 2004

Capítulo 07

O cômodo daquela casa velha e suja estava escuro. Seres sinistros rondavam a casa portando armas estranhas, nunca vista antes por nenhum ser humano. A cidade estava deserta. Ou pelo menos era isso que eles queriam que a gente achasse. O calafrio corria na espinha daqueles senhores que acabavam de chegar nessa cidade. Cruzando as ruas em um mini-ônibus blindado, eles estavam sentados em silêncio. Olhavam pela janela e ainda era possível ver alguns restos de carne humana em decomposição. Ninguém ousava mencinar uma palavra. Ninguém sabia o que os esperava. Ninguém sabia se poderiam se esperados de volta. Todos pensavam inúmeras coisas, e a maioria envolvia suas possíveis mortes.
Dias haviam passado desde que a última cidade foi atacada. Depois dela não houve mais nenhuma destruição, e tudo estava em um silêncio mórbido. Templos religiosos estavam completamente lotados. Alguns agradecendo por terem suas vidas poupadas, outros fazendo preces para os que não tiveram tanta sorte. Um clima de união tomava conta de cada ser humano, que não pensava duas vezes antes de ajudar quem precisava, independete de qualquer coisa, bastava ser humano. Talvez aqueles senhores do pequeno ônibus pensassem nesse assunto, mas era impossível dizer, pois o motorista estava estacionando na porta daquela casa, que tinha cômodos escuros e sujos, porém não desertos.
Os senhores desceram do ônibus e caminhavam lentamente em direção a porta principal da velha casa. Vultos com formas humanas, porém com roupas escuras e aparentemente pesadas, como se fossem armaduras, pararam imediatamente ao primeiro contato visual. Eles iriam morrer, só nisso que pensavam agora. Armas foram apontadas, e todos levantaram as mãos. Passaram alguns segundos se observando, tentando imaginar o próximo passo, mas era tudo muito confuso. Foram conduzidos para dentro da casa, que rangia aos passos de seus sapatos de couro, o mais caro que poderiam ter encontrado.
Chegaram a uma sala sem surpresas, escura e suja. Não havia lugar para sentarem. Além da porta por onde entraram havia mais outra, do lado oposto do cômodo. Permaneceram em pé, olhando um para a cara do outro, sem saberem o que falar, ou até mesmo se poderiam falar. A porta do lado oposto da sala começou a abrir.
Ela estava sentada na cama, séria. Nunca gostei de ver ela com aquela expressão, o que me dava muito medo. Ela olhava para fora, para o corredor. Eu olhava para ela e para o corredor alternadamente. Milhões de pensamentos estavam passando pela cabeça dela naquele momento, eu tinha certeza disso. Pelos olhos eu poderia ver, pois não focavam nada em especial, como se toda a sua luz estivesse voltada para dentro, para sua mente, e não para as coisas externas. É engraçado ver alguém nesse estado. Até pensei em falar alguma coisa para quebrar o gelo, mas tinha medo de sua reação. Depois que a janela já estava com cortinas nada mais poderia ser previsto. Tudo mudou, até mesmo eu. Mas depois daquele beijo, ou seja, depois de ter aberto a porta, voltei com meu problema inicial: a confusão. Inúmeras perguntas saltavam e brincavam na minha cabeça, como se fossem donas da situação. Acho que ela estava sentindo a mesma coisa.
De repente ela se levanta e passa a andar de um lado para o outro. Eu ainda estava em pé, não havia alterado a posição de nenhum músculo da cintura para baixo, pois não era necessário. Ela olhou mais uma vez para fora e disse hesitando:
- Acho que sou eu que tenho que ir...
Olhei sem surpresa, pois nada mais parecia me surpreender agora. O corredor ainda estava obscuro, e não era possível ver onde ele terminava, se é que terminava. A idéia de um corredor infinito... Caminhar para chegar ao fim, mas não existe fim. Então eu perguntei apontando para o corredor:
- Você sabe até onde vai dar?
- Não, não sei...
- Então como você sabe que é você quem deve ir?
- Não, eu não sei!
- O que você sabe?
- Que nada sei.
Sorri pensando que, apesar de idêntico, duvido que Sócrates tenha dito isso na mesma situação. Se é que ele realmente disse isso. Ela olhou para mim e a expressão pensativa passou. Arregalando os olhos e sorrindo ela disse:
- Qual é a graça?
- Nada.
- Como nada?
- Nada, eu pensei em Sócrates.
- Talvez seja isso.
Fiquei quieto fingindo entender alguma coisa. Finalmente trabalhei alguns músculos das pernas e fui até a porta, mas sem sair do quarto. Ela se aproximou de mim e pegou em meu braço. Ela tremia um pouco. Eu disse:
- Eu vou com você.
Ela sorriu novamente para mim, agradecendo. Como eu a amava, era impossível ser diferente. Seus olhos eram lindos, ela era tudo para mim. Então ela disse:
- A Cris vai ficar muito chateada com isso tudo...
- Com o quê?
- Com o beijo ora, seu bobo!
Cris? Sim, ainda tinha a Cris. Essa é uma parte que eu ainda não havia descoberto. Mas, já havia descoberto alguma coisa? Quase impossível. Então eu disse:
- A gente dá um jeito. Vamos?
Ela balançou a cabeça, confirmando que já estava pronta. Coloquei primeiro o pé para fora e a puxei comigo. Depois que já estávamos totalemente fora do quarto passamos a caminhar normalmente, sem hesitar, sem olhar para trás.

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