quarta-feira, agosto 18, 2004

Capítulo 08

No começo não havia nada, mas o nada é o próprio começo. Não que eu queria me identificar com alguma coisa, longe disso, com algum desses pensamentos abstratos. Quero as coisas concretas, as coisas que podemos tocar e perceber com nossos sentidos. Um cheiro de fezes percorria o corredor enquanto caminhávamos lado a lado. Não queria mencionar nenhuma palavra, mas eu sabia exatamente o que aconteceria. Claro, não era a primeira vez. O que ela não sabia, e o que pode parecer ainda mais confuso, é que ela também não sabia que não era sua primeira vez. O corredor ficava mais escuro a cada vez que entrávamos nele. Ficava cada vez mais difícil entrar nele. Meus pés começaram a doer.
Não contei o tempo que ficamos andando. Janelas de vidro, impossíveis de serem abertas por fazerem parte da própria parede, deixavam o corredor com um ar mais pesado, porém fresco. O ar deveria entrar por algum lugar, mas nunca tinha descoberto por onde. Eu sempre pensava nisso e suspirava. Então ela disse:
- Não adianta suspirar, você nunca vai saber.
- Saber o quê? – Perguntei achando que ela tinha o poder de ler mentes, o que não seria impossível.
- Para onde estamos indo...
- Mas eu sei para onde estamos indo.
Era mentira, mas serviu para ficarmos em silêncio por mais um tempo. Aquele olhar, de braços dados, ela tentava com todas as suas forças ler minha mente. Eu sabia que ela conseguiria mais cedo ou mais tarde, mas não queria que fosse agora. Eu tinha que distraí-la, fazê-la pensar em outras coisas. Ela não poderia se concentrar, não antes de chegarmos. Sim, eu não sabia para onde nós estávamos indo, mesmo tendo feito isso milhares de vezes, mas eu sabia o que ia encontrar. Em minha mente isso faz muito sentido, mas para desviar a atenção eu apenas mencionei:
- Vamos onde está a Cris.
Ela sorriu para mim, e eu podia ver o brilho em seus olhos. Claro, a Cris. Eu queria perguntar para ela sobre a Cris, sobre a Cris dela, a minha eu já sabia o suficiente. Mas ela ainda estava na ilusão que as coisas são iguais para todas as pessoas, incluindo as pessoas que conhecemos. Agora era tudo diferente. Ela realmente encontraria a Cris no final de nossa jornada, e isso era certeza. Mas ainda temos muito tempo até chegar lá, pois o fim do túnel só aparece quando a gente realmente quer que ele apareça. Agora eu me questionava se devia realmente ter aberto aquela porta.
Todos olharam para o sinistro ser que entrava na sala suja. Aqueles senhores estavam em pé, tremendo de medo, e ele entrou acompanhado de mais alguns seres igualmente sinistros. Vestiam roupas escuras, e tinham a forma humana. Duas pernas, dois braços, tronco, cabeça... Apesar de cada centímetro estar coberto. Enfim, no geral poderíamos dizer que eram seres humanos, mas que apenas usavam roupas estranhas. Aqueles senhores tinham certeza que encontrariam uma forma nunca antes vista debaixo daquelas roupas estranhas. Nossas certezas sempre são frágeis.
Não falaram nada. Se aproximaram um pouco e fecharam a porta por onde haviam entrado. Alguns instantes se passaram e então um deles acendeu a luz do quarto. Não eram roupas tão estranhas. Pareciam que usavam capacete. O primeiro, que parecia o líder, começou a tirar seu capacete preto.
“Impressionante!”, foi o que pensaram todos aqueles senhores. Era um ser humano, e eles respiraram aliviados. Mas ainda estavam perplexos, pois era mais que um ser humano: era uma mulher. Uma linda mulher. Um desses senhores menciona:
- Que alívio! Pensei que fosse encontrar um monstro terrível!
- Silêncio! – fala a suposta líder, com voz firme e doce ao mesmo tempo – Nós temos muito a conversar, e eu sei que todos estão cheios de perguntas, mas no momento somente eu vou falar, entenderam?
Todos balançaram a cabeça concordando. O senhor que ousou mencionar as primeiras palavras já estava encolhido e se perdia no meio dos outros. Quantos eram? Não importa. Pareciam todos iguais... Voltaram a temer, pois os outros seres sinistros do quarto não haviam retirado o capacete, por isso era ainda impossível ver se eram realmente humanos. Então ela disse:
- Desculpem! Antes de tudo peço desculpas aos senhores. Por tudo... Mas logo vocês vão entender – E todos se olhavam, afinal de contas era para isso que eles estavam ali – E vocês podem me chamar de Cris...

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial