sexta-feira, agosto 20, 2004

Capítulo 10

- Como assim o quarto é o mesmo?
- Não vê? Não adianta abrir portas...
- Não adianta correr em direção ao nada?
- Não, não adianta nada disso. A moral da história é essa, não importa o que fazemos, sempre será isso.
- Esse retorno eterno. Posso entender, mas é difícil aceitar.
- Claro, sempre tentamos explicar tudo, e é isso que estamos tentando fazer agora, mas será realmente necessário ou até mesmo suficiente?
- Suficiente? Como assim?
- Essa tentativa de dizer o que acontece, de colocar o inteligível como sendo a fonte descobridora de todas as causas para quaisquer efeitos.
- Meu... Do que você está falando?
- Apenas que nada mais que pode acontecer agora impressiona, pois as leis são ilusões nas quais acreditamos cegamente...
- Não é bem assim. Existe um universo inteiro de possibilidades, e todas elas são levadas em consideração quando analisamos alguma situação, como esse quarto, por exemplo.
- É apenas um quarto.
- Não, não é apenas um quarto. É um símbolo.
- Símbolo do quê?
- Ainda não sei.
- Então como sabe que ele representa alguma coisa?
- Quem disse que todos os símbolos devem representar alguma coisa?
- Não? Salve engano acredito que não existe símbolo sem o que simbolizar...
- Será mesmo? Ou seria essa apenas mais uma lei em que acreditamos cegamente?
- Não sei ao certo...
- Foi o que você acabou de dizer.
- Isso eu sei, mas existem coisas absolutas, e talvez essa simbologia seja uma delas.
- Quanta besteira! Esse quarto não é absoluto.
- Não conseguimos sair dele...
- E daí?
- O que pode ser mais absoluto?
- Talvez... Talvez. Quem sabe esse quarto não seja o símbolo do absoluto?
- O absoluto pode ser simbolizado?
- Não sei, mas o fato é que existem certas coisas das quais é impossível fugir.
- Como o quê?
- Esse quarto, o absoluto, talvez...
- Mas a gente precisa sair daqui.
- Ou seja, precisamos escapar de um lugar que não há como escapar?
- Transpor essas paredes, essas janelas. Até mesmo esse corredor infinito, que sempre irá voltar ao mesmo ponto. Precisamos sair daqui.
- Mas como?
- Talvez existe um jeito de mudar isso, de não retornar sempre ao mesmo ponto. E eu acho que já sei como...
- Mas como?
- Tudo está no modo como olhamos para esse quarto, como o vemos. Estamos nele agora, isso é um fato, mas estamos nele por realmente pensar que dele queremos escapar. Ele será sempre o nosso fim, enquanto ele estiver em nossas mentes como sendo aquilo que não queremos.
- Uma espécie de negação do quarto?
- Mais ou menos. Negamos o quarto, mas o quarto negado sempre estará ali, nos atormentando. Simplesmente negar, fugir, tentar escapar, não é suficiente, pois o quarto sempre estará sendo negado, sempre fará parte de nosso objetivo, que é ficar distante de nós.
- Mas como escapar de um lugar sem negá-lo? Sem essa idéia de que queremos sair daqui como podemos efetivamente sair daqui?
- Será que podemos sair daqui mesmo?
A multidão ia a loucura. Milhares de pessoas saldavam os bravos senhores que expulsaram os invasores de nosso planeta. Cidades não iam ser mais destruídas, e de quebra ainda traziam muitas boas novidades. O início de uma nova era. A chave da felicidade. A chave da tristeza. Tudo estava nesse simples gesto, nesse simples olhar. Tudo aquilo que a humanidade havia perdido, mas que agora iriam dar o devido valor. Um novo tempo foi inaugurado, um tempo de grandes perspectivas, de grandes feitos. Onde tudo o que é importante é uma busca incansável por esse sentimento, mas sem objetivos.
- Mas... E a Cris?
- Quem se importa? Agora, para mim e para você, ela virou um passado. Mas nesse ponto, depois de perceber precisamente isso, não iremos mais retornar.

FIM

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