quinta-feira, agosto 19, 2004

Capítulo 09

- Está demorando demais! Nunca vamos chegar?
Eu também estava transtornado com o tanto que havíamos caminhado até aquele momento. Estava cansado de tanto andar e nunca chegar a lugar nenhum. De repente avistamos algo, como se fosse um sonho que chega ao fim, ou melhor, um pesadelo. Havia ao longe o que parecia ser uma porta, e animadamente caminhamos em direção a ela.
- Estão vendo essa porta? – Apontava a tal de Cris, como pediu para ser chamada, para a porta por onde havia entrado – Esta porta, senhores, esconde o maior segredo de todos os tempos, aquilo que irá mudar o curso da humanidade.
E aqueles senhores permaneciam imóveis, como estão a alguns capítulos já, apenas observando e analisando. Sentiam-se inúteis, pois não tinham a liberdade de expressar as suas opiniões ou, quem dera, fazer alguma coisa para mudar a situação no qual se encontravam. Cris estava radiante, como uma criança que sabe de um segredo de seus pais, e seus pais não sabem que ela sabe tal segredo. Ela continua:
- Mas não posso entregar de mãos beijadas, sem ter nenhuma recompensa. Afinal de contas, não é só de boa vontade que gira o seu mundo.
Inúmeras perguntas eclodiam das frágeis mentes daqueles sensíveis senhores. Quem diria? Ninguém, mas ela continuou:
- Agora vocês têm a permissão para falar. Eu não direi mais nada além do que me perguntarem. Já sabem o suficiente.
Todos hesitaram, olhando entre si. Um deles então resolve colocar fim naquele silêncio:
- Quem é você?
- Pode me chamar de Cris, já disse!
- O que você pretende aqui?
- Pretendo inaugurar uma nova era.
- Como você pretende fazer isso?
- Colocando de volta aquilo que lhes foi retirado faz muito tempo.
- E o que foi retirado de nós há muito tempo?
- Aquilo que vocês, todos vocês, mais sentem falta!
E então houve apenas o silêncio. Aqueles senhores permaneciam pensativos, tentando desvendar aquele mistério. Arrancar respostas dela não seria fácil. Pelo menos não os que eles gostariam de saber. Então um deles tomou a devida coragem:
- Quero ver o que está por trás da porta.
- Isso não é uma pergunta, como posso responder?
- O que tem atrás da porta?
- Veja você mesmo.
A Cris vai até a porta e coloca a mão na maçaneta. Todos tremiam enquanto Cris os observava com um sutil sorriso em seu rosto. Então ela puxa a maçaneta, abrindo a porta revelando o que tanto queriam ver. Todos os senhores abriram um sorriso, e balançaram a cabeça. Sim, era o que eles, todos, incluindo nós, haviam perdido.
Na medida que íamos se aproximando a porta foi se revelando. Não estava fechada, estava aberta. Não parecia estar muito claro lá dentro, mas não me importei e continuei avançando, puxando aquela jovem junto comigo.
Sem pensar duas vezes entrei com tudo dentro do novo cômodo, e caí de joelhos cansado de tanto andar e decepcionado com onde havíamos parado. Era o nosso quarto, meu e dela, o mesmo, exatamente como havíamos deixado. Olhei para a cortina improvisada, e ela estava do mesmo jeito, sem nenhuma alteração. A cama, o cheiro, os armários... Até mesmo a porta, por onde eu acabara de entrar, estava aberta da mesma maneira que eu havia deixado. Eu não sabia que isso ia acontecer, eu estava enganado!
- O que aconteceu? – E ela colocou a sua mão em meu ombro quando fez essa pergunta.
- Não percebe? De nada adiantou!
- Como não?
- O quarto é o mesmo!
- Como você sabe? Pode ser uma cópia do que acabamos de deixar lá atrás.
Não havia pensado nisso. Poderia ser um outro quarto, uma outra coisa, com as mesmas características, com os mesmos objetos, mas diferente! Mas não era possível. Olhando em volta, a posição da janela, a janela por onde aquela penumbra entrava, tudo estava tão perfeitamente idêntico ao que eu havia deixado.
- Cadê a Cris?
- O quê?
- Você disse que íamos encontrar a Cris, onde ela está?
Sim, eu havia me esquecido de ter dito isso a ela. De que importa agora?
- Ela é isso – E eu abri os braços mostrando o quarto.
- Cris é o quarto?
- Não, Cris é isso. É esse vazio, esse nada mergulhado na penumbra, esse retorno eterno ao mesmo ponto.
- Não, Cris é uma pessoa, tem nome de pessoa, e eu lembro dela, lembro do rosto dela...
- Então como é o rosto dela?
Silêncio. Ela não conseguia me dizer. Não sabia, ela tinha uma forma, ela tinha uma idéia do que a Cris seria, mas não conseguia dizer.
- Está vendo? Não é tão simples... Amar não é tão simples. Ser feliz não é tão simples. Nada é simples!
Ela sentou na cama olhando o quarto. Transtornada, visivelmente transtornada. Quem me dera poder explicar melhor, poder explicar que todas as nossas definições não são repetições de conceitos, que isso é nossa ilusão, que o próprio tempo é uma ilusão. Era o mesmo quarto, não poderia ser diferente. Se fosse outro, com os mesmos objetos, não faria sentido. E eu disse isso para ela:
- É o mesmo quarto, não poderia ser diferente. Se fosse outro, com os mesmos objetos, não faria sentido.
Ela olhou para mim com raiva. Levantou e saiu correndo por dentro do corredor, ou por fora, era a mesma coisa. Sentei na cama e esperei. Esperei vários minutos, talvez horas, e ela entrou pela porta visivelmente cansada e assustada com a minha presença. Ofegante, ela não conseguia falar, apenas chorava... Sentou no chão, distante de minha presença, e chorava bastante, percebendo que eu estava certo, que era o mesmo quarto, nunca o havíamos deixado e não havia saída.

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