quarta-feira, outubro 11, 2006

busca homérica por gelo (Malindi - Kenya)

Nunca pensei que fosse difícil achar gelo em uma cidade litorânea tão quente quanto o nordeste brasileiro. Mas tudo pode acontecer nessa terra miserável.

A busca começou, obviamente, em um posto de gasolina. Entrei na lojinha e perguntei se havia gelo, mas a resposta foi negativa. Perguntei onde poderia encontrar, e a mulher me falou que “basta seguir a rua e achar o prédio verde”. Pois bem, seguimos a rua e achamos o tal de prédio verde. Entramos lá e o seguinte diálogo aconteceu:

Eu: Do you have ice cubes? (Você tem cubos de gelo?)
Mulher tosca: Ahn?
Eu (mais alto): Ice cubes! (Cubos de gelo!)
Mulher tosca: Ahn?
Eu (gritando e articulando bem as palavras, lentamente): I-C-E C-U-B-E-S!
Mulher tosca: Ah! AICE QUIÚBES! - exatamente do jeito que eu estava pronunciando – No! No! (Não, não!)

Enfim, perguntei onde poderia achar. Ela apontou para trás do prédio, em um lugar que não entendi onde era. Para ir para o outro lado tínhamos duas opções: a primeira era voltar pelo mesmo caminho, pegar a avenida principal, e virar na próxima entrada. A segunda era continuar em frente, dando a volta no prédio, o que parecia mais fácil. Optamos pelo mais fácil, mas descobrimos que pelo caminho não dava para dar a volta. Entramos em becos sinistros, as pessoas muçulmanas olhando para nós, brancos, sujos de praia. Estávamos em três caras dentro de um carro grande e branco. Chamar a atenção não era nosso propósito. Estávamos quase nos perdendo quando resolvemos voltar e dar a volta no prédio pelo outro lado.

Do outro lado do prédio havia uma sorveteria e um açougue. Optei pela sorveteria, que estava vazia. Quando o atendente chegou, o seguinte diálogo aconteceu:

Eu: Do you have ice cubes? (Você tem cubos de gelo?)
Cara tosco: Ahn?
Eu: Ice cubes! (Cubos de gelo!)
Cara tosco: Ahn... Ice cubes... No! (Ahn... Cubos de gelo... Não!)
Eu: Do you know where I can find it? (Você sabe onde posso achar?)
Cara tosco: Yes! (Sim!)
Eu: Where? (Onde?)
Cara tosco (sendo finalmente tosco): I don’t know (Eu não sei)
Eu (indignado): Why did you tell me you know that? (Porq você me disse que sabe?)
Cara tosco (sorrindo): To be honest, I don’t know (Para ser honesto, eu não sei).

Saí de lá indignado. Entrei no açougue do lado, onde um rapaz com fisionomia de indiano pareceu entender “ice cubes” (cubos de gelo) logo de primeira, mas ele não tinha. Ele apontou para seguir uma rua de terra, indo para o açougue Sunset. Pertinho, achamos sem problemas e lá fui eu de novo perguntar pelos cubos de gelo. Alí eles não tinham, mas o cara (estilo indiano) apontou para atrás do prédio, que é onde eu poderia achar. Para ir até lá eu tinha que andar por entre dois prédios, em um beco. Nele havia três meninas brincando (estilo indianas), e o rapaz do açougue gritou alguma coisa em swahili para uma delas. A menininha, muito simpática, apontou para uma porta e entrou. Para que eu não entrasse na casa ela pediu para eu esperar. Esperei. No meio da gritaria em swahili apareceu uma velha gorda (estilo indiana). O seguinte diálogo aconteceu:

Eu: Hi, how are you? (Oi, como vai você?) – Sempre falei isso, mas nos diálogos anteriores essa parte foi omitida.
Mulher gorda: ...
Menininha (para a Mulher Gorda): Fine! (Bem!) – Ela estava ensinando a Mulher Gorda a falar inglês.
Mulher gorda: *palavras em swahili*
Eu: ...
Menininha (para Mulher Gorda): *palavras em swahili*
Eu: ...
Mulher gorda (para mim): *palavras em swahili*
Eu (pensando que elas estavam planejando me cozinhar na janta): Ninajua kiswahili kidogo! (Eu sei um pouco de swahili!)
Mulher gorda (disparada, para mim): *palavras em swahili*
Eu (pensando que elas queriam tirar meu coro para vender junto com o artesanato local): ...

A menininha saiu da casa e atravessou o beco, indo para uma outra porta. Lá ela bateu, gritou algumas palavras em swahili, e uma outra mulher apareceu. A Mulher Gorda e a Nova Mulher começaram a falar várias coisas em swahili. Eu entendia palavras esperças, como “muzungu” (homem branco). No final das contas a Nova Mulher entrou na casa e a Mulher Gorda me convidou para entrar na casa dela, falando “Kuja, kuja, kuja” (venha, venha, venha). Dei uma olhada em volta, fiquei com o pé atrás, a menininha estava do meu lado, mas eu entrei. Logo na entrada, na parede oposta do cômodo, tinha a geladeira. Ela abriu e me mostrou alguns sacos de água (mais ou menos do tamanho da palma da mão), ainda no processo de gelar. Toquei e estava líquido ainda. A mulher falava em swahili e a menininha traduzia: Volte amanhã. Mas “amanhã” eu não podia voltar. Então elas falaram mais palavras em swahili e a menininha pediu para eu segui-la.

Fui seguindo a menininha, que me olhava com os olhos esbugalhados. As outras duas, que ficaram no beco o tempo todo, nos seguiram também. Saímos do beco pelo menos lugar que eu havia entrado e descemos a rua, passando em frente ao açougue Sunset novamente e continuando. O ambiente foi ficando estranho, com casas rústicas e todas as pessoas olhando para mim, o único “muzungo”, a pé, com uma menininha me guiando. Mas não muito longe a menininha bateu em outra porta, onde saiu algumas mulheres falando swahili. Quando a menininha perguntou sobre gelo, as mulheres falaram que não tinham. Enquanto eu esperava, uma das menininhas começou a tirar algumas algas que estavam presas no meu pé (por causa da praia que eu havia ido antes).

Um rapaz de estilo indiano, sentado na frente de um comércio tosco, ouviu a conversa e veio falar comigo. Nesse meio tempo recebi a ligação dos caras que estavam no carro, preocupados comigo, perguntando onde eu tinha ido... Mas de onde eu estava eu ainda podia ver o carro, qualquer coisa era só correr até eles. Conversei com o rapaz, que me chamou para ir ver com ele o gelo em outro lugar “logo alí” (pelo menos ele falava inglês). Eu falei que não ia, que era para ele ir lá ver e vir me contar o resultado lá no carro (e eu apontei para o carro). Ele falou que estava tudo bem, que ele ia lá e dali cinco minutos ele voltava.

Voltei para o carro onde esperamos menos de cinco minutos. Ele queria nos mostrar onde pegar gelo, mas a gente ia ter que ir de carro. Ele entrou no carro e foi nos guiando por ruas que a gente já conhecia. Paramos em frente ao mercado de peixe e ele correu até um outro lugar, andando pelas ruas de terra (enquanto a gente ficou esperando). No mercado de peixe perguntei se tinham gelo (claro que tinham), e me falaram que o bloco (bem maior) custa cerca de 40 Ksh (pouco mais de 1 real). Mas a gente não podia comprar mais do mercado de peixe, pois o rapaz tinha nos guiado até ali, mas era para comprar de outro lugar. Seria sacanagem ele nos guiar e a gente comprar em outro lugar.

Ele voltou correndo e entrou no carro, falando para a gente seguir pelas ruas de terra (espécie de labirinto). Fomos entrando, virando ali, acolá, etc. Chegamos na frente de uma casa, iguais a todas as outras, onde tinha outro rapaz estilo indiano nos esperando. Perguntamos sobre gelo, ele falou que tinha em blocos grandes (como no mercado de peixe) e o preço era 20 Ksh (menos de 1 real). Pelo menos era mais barato, ou melhor, metade do preço. Pegamos cinco blocos, jogamos dentro de um plástico, pagamos e saímos. Pediram para voltar outro dia, que ali sempre tinha gelo.

No fim deixamos o rapaz que nos guiou até ali no mesmo lugar onde a gente o hovia achado. Ele saiu do carro, não pediu nada, e foi embora. A gente queria dar um “trocado” para ele, mas não tínhamos nada (tínhamos saído da praia). Mas eu nunca mais vou vê-lo de novo, então não tem problema. Enfim voltamos para a hospedagem, pelo menos agora com o gelo que a gente tanto queria.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Sem dúvida a melhor história até agora. Hahahahahaha.
Dá um filme fake de terror legal com final non-sense.
Vou usar como base para um roteiro.
Hehehehe.

9:22 PM, outubro 13, 2006  
Anonymous Anônimo disse...

em ctba tem gelo, hahahhaha, vc não tem!

(se bem que aqui até a alma das pessoas é gelada)

1:49 PM, outubro 27, 2006  

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