quarta-feira, abril 13, 2005

Capítulo 06

Naquela mesma noite eu fui embora com meu amigo (será que podia chamar de amigo?). Ele me deixou em casa, que fedia comida estragada. Eu não costumava seguir os costumes padrões de higiene, tanto física quanto mental. Por isso o meu apartamento era, literalmente, um lixo. Várias roupas sujas pelo chão, vários restos de comida por todo canto da casa. Os insetos faziam festa, e os vizinhos sempre reclamavam. Mas eu sabia que eram mais porcos que eu, com suas roupas lavadas com sabão em pó de comercial da televisão, dirigindo carros limpos e conservados enquanto levam os filhos, todos excelentes estudantes, para o colégio particular próximo do prédio. Suas vidas, quando eu olhava pela janela, parecia ser o oposto daquilo que eu queria para mim.
Passei a noite suavemente. Adormeci na minha cama, sem compreender nada do que havia acontecido. No dia seguinte eu acordei com o interfone tocando. Eu atendi com aquela cara de zumbi, e o porteiro, que sempre está com um palito entre os dentes, apenas me informa que a Mônica, minha namorada, estava subindo. Agradeci a informação, mas eu realmente fiquei desesperado. Eu havia sumido durante dois dias, provavelmente ela havia me procurado e agora estava desesperada por informações. Poderia até mesmo estar brava, cogitando milhões de fantasias que somente aquela cabecinha poderia criar. Ela era demais para mim. Enquanto eu pensava tudo isso eu comecei a fazer o café. Afinal de contas, depois de todo o estresse, eu deveria estar com uma cara de ressaca incriminadora. Estava pronto para enfrentar problemas com a Mônica, minha namorada, provavelmente mais uma discussão sobre nossa relação.
A campainha tocou e eu fui abrir a porta. Mônica, minha namorada, estava linda como sempre. Ela tem a pele clara, cabelos escuros e lisos que passam suavemente pelos seus ombros, olhos castanhos muito brilhantes (pelo menos quando eu a olhava nos olhos) e um rosto angelical. Seu corpo satisfazia facilmente minhas necessidades tipicamente masculinas. Também era uma garota esperta, radiante, sem em nenhum momento ser desagradável. Olhei para ela e logo lembrei de como a tinha conhecido.
Mônica estudava artes plásticas em uma universidade conceituada. Eu sempre a via passando pelos corredores, e sempre desejei conhecê-la melhor. Um dia eu andava calmamente pela rua quando eu a vi vindo em direção oposta. Não sou o tipo de cara que interrompe uma garota em plena rua, durante o dia, quando uso calça azul, mas fiquei com muita vontade de perguntar pelo menos seu nome. Senti um frio na barriga enquanto ela se aproximava, pois o momento estava chegando, e eu sentia uma obrigação de fazer alguma coisa para não deixar aquele momento passar. Ela olhou para mim, provavelmente me reconhecendo ou pensando em de que lugar ela havia me visto. Depois eu fiquei sabendo que ela já tinha me notado também, o que facilitou muito o avanço de nossa amizade para o namoro. Mas, quando eu estava quase ombro a ombro com ela, uma pedra malvada se intrometeu entre a calçada e o pé dela. O resultado foi um tombo fenomenal. Eu olhei aquele corpinho caindo praticamente na minha frente, e fiz uma coisa que todos os cavalheiros fariam: ri muito! Dei algumas gargalhadas, o que a fez ficar um pouco desconcertada. Mas foi apenas num primeiro momento. Logo depois ela se levantou sozinha e olhou para mim enquanto eu ria. Ela sorriu também, e fez um comentário sobre a minha falta de educação de rir de tal situação. Eu não conseguia responder direito, mas no meio das risadas eu apenas pedi desculpas. Ela sorriu e falou que seria muito melhor se eu a ajudasse, pois é assim que os homens deveriam tratar as mulheres. Olhei para ela, com minha risada chegando ao fim. Suspirei fundo e disse que não, que os homens que ajudam as mulheres apenas por educação são mais machistas do que eu gostaria de parecer. Ela me questionou os motivos disso, e eu expliquei que a gente não deve ajudar quem não precisa. Continuei falando que isso é um sinal de superioridade, como se a mulher não tivesse capacidade de puxar uma cadeira para se sentar ou de abrir alguma porta. Ela falou que havia se machucado. E eu acrescentei que ela se levantou perfeitamente sozinha, o que é muito mais digno para quem cai daquele jeito no meio da rua. Ela ficou séria. Depois conversamos um pouco, e mais ainda quando nos encontramos pela segunda fez. Passaram algumas semanas e já estávamos saindo juntos. Numa noite ficamos bêbados (amém ao álcool) e nos beijamos. Ela se tornou Mônica, minha namorada.
Ela estava parada na frente da porta me olhando. Então eu sorri e ela passou por mim entrando no meu apartamento. Ela não disse nenhuma palavra. Olhou em volta, a sujeira que era minha casa, e falou:
- Quando você vai limpar esse troço?
Dei de ombros. Eu sabia que tinha que fazer alguma coisa para agradar a Mônica, minha namorada, mas eu não levantaria nenhuma palha para arrumar meu apartamento. Afinal de contas ele é meu. Bom, nem tanto, mas quase. Ela olhou para mim com aquela cara de piedade misturada com indignação e perguntou aquilo que eu sabia que perguntaria:
- Onde você foi?
- Quando? – Perguntei como se não soubesse.
- Ontem... Anteontem também! Vim aqui e não tinha ninguém. Hoje já estava decidida a ir ao IML caso não te achasse aqui. O que aconteceu? – E ela me olhava com aquela cara de preocupada, mas pronta para virar uma cara de raiva dependendo da minha resposta.
- Foi estranho, até hoje não entendi...
- Conte tudo!
- Resumidamente eu quase apanhei até morrer, por isso fugi. Depois eu voltei, ainda com medo, mas fui aclamado por nenhum motivo. Tive conversas bizarras com pessoas estranhas e acabei a noite com dor de cabeça – mentira – deitado na minha cama.
- Que bom...
- Bom?!
- ... que você falou a verdade.
- Como assim? Você sabia?
- Eu estava lá.
- Lá onde?
- Bem ao seu lado. O lado que você não olhou.
Sentei no sofá, coloquei a mão na cabeça. Ela sorria para mim e sentou do meu lado, me abraçando e passando sua mão carinhosamente em meu ombro. Ela cheirava muito bem, eu realmente gostava dela. Mas eu só tinha uma pergunta: como assim? E então percebi que o mundo tinha entrado em um estranho colapso, mas só eu não havia me adaptado. Olhei para ela, levantando, e exclamei:
- Agora é hora de contar a verdade!
- Sobre o quê?
- Sobre tudo isso que está acontecendo comigo! Que aconteceu! Como você faz parte disso e não me conta?
- Eu te amo!
Essa declaração fez muito sentido.

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