terça-feira, abril 12, 2005

Capítulo 05

A vida não podia ser mais engraçada. Realmente fiquei pensando na confusão que havia me metido. Em apenas dois dias eu já tinha uma carga de estresse muito maior que qualquer piloto de avião kamikaze se dirigindo para o alvo. Está bem, nem tanto. Mas eu não entendia nada. Então eu percebi que estava bancando o bobo no meio daqueles acontecimentos insanos, sendo totalmente apático, sem ação nenhuma! Meu amigo (será que podia chamar de amigo?) empurrou meu corpo contra aquilo que parecia ser uma porta. Ele olhou para os meus olhos, e eu pude perceber apenas um tímido brilho neles. Não conseguia ver direito, mas eu podia dizer que ele sorria para mim, muito agradecido. Então eu fiquei um pouco aliviado, pois eu achei que ia ser muito mais difícil, mas eu fui apenas eu mesmo e ela, a moça que estava de costas para mim, deitada, não fez nada. Então eu arrisquei uma pergunta para tentar compreender toda essa situação:
- O que aconteceu?
Meu amigo (será que podia chamar de amigo?) olhou para mim e não disse nada nos primeiros instantes. Fiquei preocupado. Ele estava muito emocionado, o que por um lado poderia ser ruim. Então eu o afastei com meus braços e exclamei:
- Quero que você me explique tudo o que está acontecendo!
- Calma – meu amigo (será que podia chamar de amigo?) disse.
- Estou calmo, mas exijo explicações! Afinal de contas, uma multidão furiosa me perseguia e você me salvou dela, me levou para bem longe, depois voltamos e entramos nos fundos desse bar onde tive um papo estranho com uma garota lunática. Quero saber qual é a ligação entre todas essas coisas e entender os motivos de ser odiado e amado ao mesmo tempo!
- Você tem todo esse direito, eu sei. Mas vamos sair daqui, vamos para um lugar melhor.
- Não, não vou a nenhum lugar enquanto você não me explicar tudo!
- Eu não faria isso se fosse você.
- Está me ameaçando?
- Não. Estou te avisando – meu amigo (será que podia chamar de amigo?) disse isso calmamente.
- Vou ficar aqui! E você vai me explicar tudo!
- Eu não vou ficar. Você faz o que quiser.
- Então vá, eu fico aqui. Talvez sozinho eu consiga achar uma resposta para minhas dúvidas!
- Duvido muito, mas a opção é sua.
Meu amigo (será que podia chamar de amigo?) virou as costas e saiu. Vi sua sombra desaparecer no meio da escuridão, indo para a parte da frente daquele bar. Fiquei sozinho, pensando, encostado naquilo que parecia ser uma porta. Depois de nossa conversa medíocre, o silêncio imperou no corredor. De dentro do quarto da garota sinistra, que parecia uma mistura de oráculo de filmes antigos com uma hippie dos tempos mais antigos ainda, não saía nenhum som. Fiquei intrigado. Não queria ficar ali, mas também não suportava a idéia de voltar atrás e continuar com essa história até o ponto ótimo da total falta de compreensão. Então eu resolvi colocar um fim naquilo tudo.
Respirei profundamente e me virei. Fiquei de frente para aquilo que parecia ser uma porta. Então, como meu amigo (será que podia chamar de amigo?) fez, eu comecei a abrir. Não estava trancada, acho sequer que não tinha fechadura, mas de qualquer forma ela se abriu facilmente. Reencontrei a garota que estava de costas para mim, deitada. Ela não falou nada, parecia que estava meditando ou dormindo, mas eu não me importe. Logo já disse:
- Você!
Ela se mexeu lentamente e respondeu:
- Eu? – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Não fique mais de costas para mim! Deitada ai! Levante-se ou eu vou até ai!
- Não... Não vou me levantar e você não pode vir até aqui! São as regras do jogo – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Então veremos!
Disse isso dando um passo largo pelo quarto, chegando perto das almofadas. Então eu dei outro passo, menos largo, e me aproximei mais ainda dela, que ainda estava de costas para mim, deitada. Por algum motivo minha perna travou. Eu não consegui me mexer, mas não fazia força para tanto. Então eu dei um passo para trás, e verifiquei que meu pé não estava grudado no chão. Tentei novamente avançar, mas a vontade terminava assim que eu tentava. Eu gostaria muito de ver o rosto dela, de saber como ela era e desvendar tudo isso, mas ao mesmo tempo manter esse mistério era agradável.
- Agora você pode pensar! – Disse ela, que ainda estava de costas para mim, deitada.
- Como assim?
- Você pode ficar no limite, mas nunca vai avançar enquanto ainda tenta compreender as coisas... – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Seja clara, por favor!
- Eu não posso. Estou do outro lado. Do seu lado, mas aquele que você não vê. Aquele que você nega! Então eu não posso te explicar nada. Sinto muito – Disse ela, que ainda estava de costas para mim, deitada.
Nada fazia sentido! Essas declarações não tinham nenhuma base! Pelo menos naquela hora... Como ela poderia estar do meu lado nessa guerra, mas ao mesmo tempo dificultar as coisas? Muitas dúvidas, muitas perguntas! Eu não conseguia passar de um determinado ponto daquele quarto, não conseguia avançar. Mas para trás eu sempre podia ir. E eu não havia nada me impedindo fisicamente, portanto o problema era apenas comigo. Comecei a cogitar, bem no fundo, lá no meu interior mais imundo possível, escondido entre os ratos que fazem minha consciência pesar, entre o lodo e o mofo de meus pensamentos mais obscenos, a possibilidade de que, talvez, sem nenhuma certeza, pudesse existir alguma força oculta que, por acaso, estaria me impedindo de avançar. Mas isso era apenas especulação vazia de sentido. Fiquei intrigado e saí, por aquilo que parecia ser uma porta, atrás de meu amigo (será que podia chamar de amigo?), andando angustiado pela escuridão do corredor.

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