quinta-feira, abril 07, 2005

Capítulo 04
Eu realmente não conseguia ver mais nenhum palmo na frente do meu nariz. Era possível se guiar apenas pelos sons dos passos de meu amigo (será que podia chamar de amigo?) caminhando na minha frente. Atrás de mim ficaram as pessoas do bar, em silêncio contemplativo.
Depois de alguns passos meu amigo (será que podia chamar de amigo?) parou. Ouvi seus passos diminuírem o ritmo, e eu o acompanhei. Paramos na frente do que parecia ser uma porta. Depois de alguns segundos sem dizer nada, ou fazer qualquer movimento, meu amigo (será que podia chamar de amigo?) disse:
- É agora. Ela está lá dentro. Esperando...
- Esperando? Eu?
- Você não! Ela!
- Eu esperando ela?
- Não, imbecil! Ela está te esperando!
- Sim, sim... Claro!
Fiquei parado na frente daquilo que parecia ser uma porta. Então meu amigo (será que podia chamar de amigo?) se afastou, dando alguns passos para trás, deixando a passagem livre para mim. Eu avancei alguns passos, ergui minha mão e comecei a empurrar aquilo que parecia ser uma porta. E aquilo que parecia ser uma porta se abriu.
Uma luz fria e tímida saía de lá de dentro. Era um pequeno quarto com cheiro bom. Várias almofadas coloridas estavam jogadas pelo chão, que parecia ser extremamente limpo. As paredes eram de tom azul, mas podia dizer que também eram verdes. Uma garota estava sentada nas almofadas de costas para a entrada. Dei alguns passos e entrei no quarto. Meu amigo (será que podia chamar de amigo?) permaneceu do lado de fora e fechou gentilmente aquilo que parecia ser uma porta atrás de mim. Foi quando a garota disse sem se virar:
- Quem é?
- Eu!
- Eu quem? – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Meu amigo – (Será que podia chamar de amigo?) – disse que você estava me esperando. Bem, estou aqui!
- Ah! Eu lembro de você... – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Lembra? De onde? Quando?
- Uma pergunta de cada vez, por favor – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Você lembra de mim da onde?
- Uma lembrança remota, de uma outra vida – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Como uma vida anterior? Na qual a gente teve alguma espécie de relação, e agora que estamos reencarnados em outros corpos você percebe que a gente já se conheceu?
- Não, não existe reencarnação – Ela ainda estava de costas para mim, deitada – Eu te conheci em outra vida, mas mudar de vida não significa que você deve necessariamente morrer.
- Entendi, como quando a gente muda alguma característica importante de nós mesmos?
- Também não – Ela ainda estava de costas para mim, deitada – Mas isso pode servir de exemplo para uma mudança. Uma boa mudança para você seria deixar de lado clichês de auto-ajuda.
Depois dessa patada fenomenal, permaneci em silêncio. Ela ainda estava de costas para mim, deitada. Eu podia perceber o movimento que ela fazia para respirar, suavemente. Seus cabelos escuros, lisos e longos estavam jogados nas almofadas coloridas nas quais ela se apoiava. Seus braços eram finos, o que indicava que ela não era gorda. Então eu pensei que talvez eu a conhecesse de outra ocasião, alguma amiga distante. Mas eu não a reconheci, pois ela estava de costas quando eu entrei. Então eu disse:
- Mostre seu rosto.
- Por quê? – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Para eu ver se te conheço.
- Quem disse que você me conhece? – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- Se você lembra de mim, talvez eu também lembre de você. Mas como eu não lembro de você, gostaria de olhar seu rosto. De repente eu lembre alguma coisa...
- Eu lembro de você porque te conheci – Ela ainda estava de costas para mim, deitada – Mas isso não quer dizer que você me conheça.
- Você pode estar certa, mas também pode estar errada. Talvez você não sabia que eu te conheça e ache o contrário.
Ela permaneceu em silêncio. A impressão que tive é que ela estava meditando, que ela tinha os olhos fechados, mas eu não podia ver para ter certeza. Fiquei em pé todo esse tempo, apenas esperando. Quando quero eu posso ser bem paciente. E foi o que eu quis fazer naquela hora. Permaneci parado sem falar ou fazer nada. Então ela disse, ainda de costas para mim, deitada:
- Confusão, não é? Primeiro querem te matar e você foge, agora te aplaudem sem motivos. Imagino o que você está pensando.
- Eu não estou pensando em nada.
- Exatamente – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- O que isso quer dizer?
- Que já é o suficiente – Ela ainda estava de costas para mim, deitada – Pode se retirar, por favor.
- Como assim? Só isso?
- Sim, pode ir – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
- E eu não vou ver seu rosto? Você não vai me ver também?
- Pode ir – Ela ainda estava de costas para mim, deitada.
Então eu dei alguns passos para trás. Abri aquilo que parecia ser uma porta e atravessei. Ela não se moveu nenhum instante. E aquilo que parecia ser uma porta se fechou. Meu amigo (Será que podia chamar de amigo?) estava me esperando. Assim que parei na sua frente, sem dizer nada, ele me abraçou. Senti que chorava, por isso eu o abracei também. Então ele disse:
- Obrigado!

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