segunda-feira, abril 04, 2005

Capítulo 03
Voltei para o carro com a cabeça baixa. Eu não compreendia muitas coisas, mas tinha certeza que não gostaria de morrer. Não sei, eu não faço muito bem o papel de suicida tristinho. Eu prefiro muito mais correr da minha má sorte a entregar minha vida, nunca desistindo completamente de tentar mais uma vez. Mas eu também não gostava de ser obrigado a fazer isso.
Ele não disse mais nenhuma palavra. Entrou no carro e partiu de volta para a cidade. Não era mais necessário fugir, por isso a velocidade foi controlada. Demoramos mais tempo para voltar que para vir. Mas eu não estava preocupado.
Foram algumas horas para chegar. Era noite novamente, e por isso paramos em um bar no centro da cidade para comer alguma coisa, pelo menos essa era a desculpa do meu amigo (será que podia chamar de amigo?). Não havia movimentos nas ruas, mas mesmo assim eu procurava não me expor muito, com medo que uma nova rebelião começasse. Então meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?) parou na porta do bar e me disse:
- A noite está bela.
Realmente estava. Mas eu não compreendia os motivos desse comentário desnecessário. Queria ele puxar conversa? Queria ele, finalmente, saber quem eu realmente sou através de um papo amigável? Mas ele prosseguiu:
- Existe uma diferença entre a beleza do dia e a beleza da noite. A noite é sempre mais suave quando é bela, não chega a ser um choque, mas impressiona. O dia bonito impressiona, mas machuca nossos olhos. Acho que é por causa da claridade.
- O quê isso tem a ver? – Não pude resistir a fazer essa pergunta.
- Entre no bar e você vai ver!
- O que tem lá dentro?
- Entre!
Suspirei fundo. Esse papo pseudo-filosófico não me impressionava mais. Aliás, aquela pose de messias urbano estava começando a me dar nos nervos. Minha vontade foi de dar um soco na cara dele, mas me contive. Entrei no bar sem olhar para trás.
A cena com a qual me deparei não teve grandes impressões. Algumas pessoas estavam de pé, com suas long necks. Outras estavam sentadas em pequenas mesas, conversando e rindo. Outras encostadas no balcão do bar, tomando seus drinks, fumando e rindo umas para as outras. Algumas pessoas olharam para mim, mas apenas com aquela curiosidade que o movimento nos trás, e logo depois voltaram para suas vidas como se eu não estivesse lá. Uma música barulhenta, mas não tão alta, saía de algumas caixas de som estrategicamente colocadas.
Meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?) entrou logo depois de mim. As mesmas pessoas olharam novamente, mas agora suas expressões mudaram. Estavam assustadas e pararam de conversar. Meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?) olhou para os lados, como se buscasse alguma coisa. A música não parou, mas ninguém conversava mais. Apenas observavam. Pensei que meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?) tinha uma grande reputação naquele lugar. Então um cara atrás do balcão gritou para meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?):
- Ela não veio hoje!
Meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?) riu. Riu alto, e deu alguns passos para frente. Ninguém fez nenhum movimento. Então ele apontou para mim e disse:
- Não quero vê-la. Ele é quem vai no meu lugar...
Fiquei assustado. O que isso queria dizer? Então o mesmo cara de trás do balcão gritou:
- Então é por isso que ontem queriam matá-lo?
- É – Respondeu meu amigo (será que eu podia chamar de amigo?).
- Mas eu não quero ver ninguém! – Exclamei.
- Ninguém quer – Disse uma voz que não pude perceber de onde vinha.
- Não se preocupe, se tudo der certo você vai sair vivo daqui – Disse meu amigo (será que podia chamar de amigo).
- Coitado... – Disse uma moça que estava encostada no balcão do bar.
- Gente! – Meu amigo (será que podia chamar de amigo?) exclamou – Eu o conheço. Essa noite ele vai por um fim nisso! E ela voltará a ser como antes!
- Ele não pode ser... – Disse o cara atrás do balcão, que me olhava com olhos surpresos, mas alegres.
- É ele sim! – afirmou meu amigo (será que podia chamar de amigo?)
Todos se levantaram e começaram a aplaudir. Olhavam para mim, olhavam para o meu amigo (será que podia chamar de amigo?). Mas eu realmente não entendia nada. Antes queriam me matar. E agora estavam me aplaudindo. Da noite para o dia, ou melhor, de uma noite para outra. Enfim, eu não sabia quais os motivos para um nem para o outro.
Meu amigo (será que podia chamar de amigo?) olhou para mim e fez um sinal com a cabeça para acompanhá-lo. Não sei bem os motivos, mas eu o acompanhei. Orgulhoso por ser eu mesmo, apenas isso. Pois eu sabia que era especial para aquelas pessoas. E todos sorriam para mim, e faziam sinais de incentivo. Assim, desapareci pelo fundo do bar, atrás do meu amigo (será que podia chamar de amigo?), notando que agora as luzes estavam ficando mais fracas.

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