quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Palestra paralela
Eu digo para as senhoras e os senhores que as linhas paralelas não se cruzam nunca. Isso pode até parecer desnecessário de ser dito, ainda mais no meio extremamente culto no qual me encontro. Mas, senhoras e senhores, não se esqueçam nunca que o pedantismo intelectual é um dos maiores pecados que algum ser humano pode cometer. E digo isso, pois todos concordaram comigo, balançando a cabeça, quando eu mencionei a mentira que “as linhas paralelas não se cruzam nunca”.

Não me olhem com esse olhar de espanto. Eu sei que o vício é algo extremamente cativante. E noto que suas mentes estão viciadas nos jargões usuais de nossa mais medíocre matemática. Eu afirmo que as retas paralelas se cruzam sim. E isso não pode ser negado. Qualquer matemático concordaria comigo. E suas mentes perguntam: “Mas como?”. E eu respondo que as retas paralelas se cruzam num ponto singular, localizado no infinito.

Obviamente toda essa linguagem não deve ser nada agradável para vocês, ainda mais quando as senhoras e os senhores não vieram até aqui para me ouvir sobre retas paralelas e pontos de encontro. Mas, dentro desse ambiente, se encontra a mais bela verdade humana. Obviamente revelada nesse “simples postulado” matemático.

Ao caminhar por uma rua damos a nós mesmos um determinado objetivo. Esse objetivo é conhecido como destino. Por exemplo, eu vim de casa até aqui e tracei, mentalmente, um caminho que tomaria para que chegasse até aqui. A escolha do caminho depende de alguns fatores. Hoje, por exemplo, eu queria chegar o mais rápido possível. Portanto tomei o caminho mais curto que conheço. Amanhã, talvez com mais tempo disponível, eu resolva aumentar o meu caminho para passar em uma determinada loja de doces (doce é o meu fraco), e assim satisfazer esse meu capricho. Nada impede também que um terceiro caminho, diferente dos outros dois, seja escolhido por ser mais bonito e agradar melhor a vista.

As senhoras e os senhores vão concordar que todos os caminhos possíveis citados não têm nada em comum com retas paralelas. Obviamente eles não são paralelos no sentido matemático do termo, mas são distintos. Porém, as paralelas matemáticas se encontram no infinito, enquanto os meus caminhos tortuosos sempre acabam no mesmo destino. No exemplo citado esse destino é essa sala de palestra. Tudo isso pensado de maneira “plana”, como obviamente todos vocês estão fazendo.

Senhoras e senhores, afirmo que os caminhos tomados por mim são mais parecidos com as paralelas matemáticas do que qualquer outra coisa. Sim, meu destino é o mesmo, o ponto onde quero chegar. Mas isso só é verdade pensando em apenas um “segmento” do caminho que escolhi, por exemplo, de casa até essa sala de palestra. Para esse “segmento” podem ser estabelecidos limites bem definidos, assim como para qualquer segmento de reta na matemática. Porém, senhoras e senhores, nossos caminhos não são apenas “segmentos”, mas sim retas infinitas, como na física, e não na matemática.

É inevitável que antes de sair de casa eu tenha feito outras coisas, como uma boa refeição e a leitura matinal do meu jornal favorito. Essas atividades fazem parte do caminho que escolhi seguir, da mesma forma que outros pontos fazem parte da reta antes dela passar por um ponto convencionado como “início”. Somos, isso sim é verdade, uma conseqüência de ações que sequer imaginamos. Pessoas que virão depois da gente podem surgir ou não de acordo com decisões que tomamos hoje. Cada suspiro, cada passo, cada escolha muda de maneira drástica o futuro.

Senhoras e senhores, não confundam minhas declarações com o famoso “efeito borboleta”. Essa teoria, por mais bela que seja, não é dotada de associações matemáticas e físicas. A minha, em contrapartida, pode ser muito bem explicada usando elementos dessas matérias.

Concordamos, pois, que nossas ações nos levam a caminhos distintos. Uma esquina, por exemplo. Quando eu estou no cruzamento entre duas ruas e posso tomar qualquer uma delas para chegar ao meu destino, eu não vou chegar da mesma forma. Tudo será diferente, cada caminho, mesmo que seja um simples desvio, já é uma paralela àquele outro caminho que poderia ter tomado.

Mas, usualmente achamos que as retas paralelas não se encontram nunca. No entanto, como devo muito bem lembrá-los, as retas paralelas se encontram no infinito. Da mesma forma que nossas ações irão construir um mundo diferente no futuro, ele inevitavelmente irá se encontrar em um ponto no infinito com as outras ações e escolhas que poderíamos ter tomado. E esse ponto, senhoras e senhoras, eu deixo em aberto na minha explicação, pois já passou da hora e eu tenho outros compromissos. Muito obrigado.

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