domingo, novembro 28, 2004

Capítulo 03

Saí daquela rodoviária incomodado. A garota do balcão de informações havia mexido com a minha imaginação, e passei a caminha como sem destino. Havia até mesmo esquecido que o mapa amassado estava guardado, pois naquele momento nada mais importava, apenas a necessidade de ir para algum lugar. Qualquer lugar. Depois de algumas quadras, já distante da rodoviária, parei para descansar as pernas e me dei conta de onde estava.
O lugar cheirava mal. Certamente, pensei eu, deveria estar em uma região industrial. As indústrias sempre contribuíram para que a gente não sentisse nosso próprio mau cheiro. Então percebi que não havia tomado o caminho que a moça do balcão e informações havia sugerido. Será que ela previu isso? Provavelmente ela sabia que eu ficaria incomodado com seu jogo insano, acabando por vaguear sem rumo até cair naquele lugar previamente planejado por ela. Talvez ela fizesse parte de uma gangue que atordoa mentalmente os recém-chegados para que os mesmos tomem rumos sem saber o caminho, para que assim caiam nas mais perigosas armadilhas. Temi pela minha segurança, mas apenas por instantes. Toda essa idéia, depois de bem refletida, pareceu absurda. Mas eu ainda acreditava que ela havia me mandado para esse lugar com algum propósito.
Não reconhecia as fábricas, mas reconhecia o lugar. Antes eram campos verdes nos quais costumava brincar com meus amigos de infância... Então lembrei de cada um deles, de todos aqueles momentos que passamos juntos. Fugindo das aulas, roubando frutas na feira, correndo e inventando nossos próprios jogos. Provavelmente, se eu os visse, seus rostos seriam como de estranhos. E pensar que um dia já fomos tão íntimos, a ponto de confessarmos nossos segredos mais obscuros uns para os outros. Era uma pequena equipe, de cinco garotos, incluindo eu.
Ouvi um sinal alto que me tirou das minhas lembranças. Uma fábrica estava fechando o expediente. Seria assim já tão tarde? Não, talvez fosse apenas a hora do almoço. O tempo não parecia correr em apenas um sentido. No fundo é sempre assim, caso contrário não existiria o passado e nem o futuro. Em pé, no meio da rua, pude ver a movimentação que aumentava de uma das fábricas. Uma provável metalúrgica, ou uma fábrica de móveis. O cheiro era ruim. A visão era cinza, por incrível que pareça, era azul. Todas as fábricas normalmente têm tons cinza, mas aquela era azulada. Alguma coisa estranha ocorria ali.
Não queria voltar pelo caminho que havia percorrido, por isso decidi andar até encontrar alguma viela pela qual poderia retornar. Não necessariamente, poderia acabar do outro lado da cidade, para mim aquilo não importava. O problema é que eu tinha que passar na frente dessa fábrica azul. Essa idéia não me agradava, mas era menos pior que a idéia de fazer meia volta e me dar de cara de novo com o medo que senti pouco antes. Como nossos maiores medos sempre dominaram nossas vidas, fui em frente.
O portão azul estava esverdeado. Um guarda estava em sua cabine me observando. Meu olhar se desviou do dele. Não parava de caminhar. Ele se levantou e eu senti um frio no meu estômago. Estava passando bem na frente do portão azul esverdeado, então decidi caminhar mais rápido. Ouvi um barulho de porta se abrindo, que se confundia com o barulho surdo das máquinas. Dei três passos e ouvi o portão se abrir, um barulho metálico. Dei um passo e ouvi uma voz masculina:
- Ei! Você! Volte aqui!

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