quarta-feira, novembro 24, 2004

Capítulo 02

Diante do estranhamento daquela selva de pedra, onde apenas reconhecia poucas mudas, decidi ir até o balcão de informações da rodoviária. Alí estava uma atendente, com olhos claros e cabelo mal pintado de loiro, sentada em sua candeira do lado oposto do balcão, cuidando carinhosamente de suas unhas. Ela não levantou o olhar quando eu me aproximei e não parecia notar a minha presença. Seu rosto tinha algumas sardas, o que a deixava com um ar mais de menina que de moça. Porém as curvas do seu corpo não negavam a sensualidade das mulheres jovens. Coloquei minha mochila no chão, encostada no balcão. Pocisionei meus braços no balcão, que era bem largo e proporcionava espaço suficiente para a minha acomodação. Ela continuava olhando para as próprias mãos. As pessoas passavam como se nada daquilo existisse. Limpei a garganta e ela rapidamente tirou os olhos da sua simples tarefa e se voltou para mim.
Seus olhos ficaram ainda mais claros, acho que devido ao jogo de luz do lugar. Mas a crença de que seu olhar brilhou ao me ver era extremamente agradável para ser abandonada de completo. Ela permaneceu muito pouco tempo me olhando, mas percebi pela movimentação do seu globo ocular que ela não apenas encarou o meu rosto, mas também todo o meu corpo que estava visível para ela. Provavelmente notando as roupas e tecendo julgamentos instantâneos sobre minha posição social, meu humor, minha personalidade, meus gostos, etc. Tudo isso durou menos que um pensamento, e logo depois ela sorriu dizendo:
- Olá!
Sua voz era suave. Agradável.
- Gostaria de algumas informações...
- Certamente...
- Por acaso você tem, ou sabe onde posso encontrar, um mapa dessa cidade?
Enquanto falava ela me encarava. Ela olhava para mim como se estivesse descobrindo alguma coisa, um olhar estranho. Em princípio acreditei que ela estava abismada pela minha beleza física, mas depois lembrei de quem eu realmente era para perceber que isso era impossível. Ela olhava e o seu sorriso parecia congelado, como uma máscara que fica sempre na mesma posição, independente da expressão atrás dela. Porém esse sorriso foi sumindo lentamente, e já havia passado alguns instantes desde que eu havia pedido o mapa. Ao contrário do começo, agora ela não retirava os olhos dos meus. Finalmente ela ficou séria, encarando insistentemente. Então eu disse:
- Então...?
Ela pareceu acordar de um sonho. Piscou três vezes dizendo:
- Acabando de chegar...
- Agora a pouco, nesse instante...
- Dessa vez precisa de um mapa.
- Sim, preciso de um ma... Como assim "dessa vez"?
- Antes você não precisava.
- Como você sabe?
- Eu sei de muitas coisas.
- Mas como?
- Eu sou a moça do balcão de informações.
Isso no começo não fazia sentido. Como, apenas olhando para o meu rosto e parte de minhas roupas, ela havia concluído que eu já morei alí antes? Olhei atentamente para ela. Seria possível que ela fosse uma velha amiga de infância que me reconheceu, mas eu não estava reconhecendo?
- Mas sim, eu tenho um mapa aqui caso queira consultar.
- Você me conhece?
- Conheço.
- Desde quando?
- Desde que você limpou sua garganta para me chamar.
- Mas antes disso?
- Antes disso eu estava pintando minhas unhas...
- Não, antes disso, muito antes... Como você sabe que eu já morei aqui?
- Eu sou a moça do balcão de informações.
Fiquei incomodado. Como seria possível? O que isso queria dizer realmente? Então fiz a pergunta que saltou na minha mente como um absurdo mais improvável de todos:
- Isso quer dizer que, para informar as pessoas, você deve saber de tudo?
- Sim.
Ela não sorria. Se lenvatou da cadeira e se abaixou atrás do balcão pedindo para eu aguardar um pouco até ela pegar o mapa que eu havia solicitado. Depois de alguns instantes, ela me entregou o mapa e falou que eu podia ficar a vontade para consultá-lo. Tudo estava estranho, então eu perguntei:
- Como eu faço para chegar lá?
- Pega essa rua e segue reto. Você vai reconhecer algumas casas, alguns prédios comerciais. Mudaram de dono, mas a fachada continua a mesma. Então você vai virar a esquerda e continuar andando pela rua que você não conhece, pois ela é nova. No final dela você vai reconhecer mais algumas casas, uma delas inclusive foi onde você...
- Como você sabe tudo isso? Eu nem disse para onde eu ia!
- Eu sou a moça do balcão de informações. Eu informo as pessoas.
Permaneci em silêncio enquanto ela olhava em meus olhos. Não, não era possível. Ela sabia quem eu era, isso estava sem dúvidas, mas eu não a reconhecia. Por que ela não se apresentava de uma vez? Então perguntei:
- Qual o seu nome?
- Qualquer um, tanto faz. Eu sou a moça do balcão de informações.
- Então é assim?
- Vai lá, você vai ter uma surpresa. Pode levar o mapa, para você eu deixo.
- Porque você vai deixar?
- Eu sei que ele vai voltar para mim.
- Como você sabe? Quero dizer, além de você ser a moça do balcão de informações?
- Tudo volta um dia.
- Nem tudo...
- Você voltou.
Amassei o mapa e enfiei na minha mochila. Saí rapidamente da rodoviária, olhando para trás. Ela me acompanhava com os olhos, sem sorrir, sentada do outro lado do balcão. Ela realmente deveria me conhecer. Eu também devia conhecê-la. Mas minha mente só dizia uma coisa: Quem era ela, e por que ela fez isso?

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