sexta-feira, julho 16, 2004

Apenas escute
 
   Em rádios ou na MTV, não importa, a música se propaga (por ondas eletromagnéticas) e chega em nossas residências, carros, walk-mans, computadores, etc. Seu alcance é inegável, e sua influência sobre as pessoas é indiscutível. Quem conhece alguém que não gosta de nenhum tipo de música e não procura ter nenhuma relação com ela? Por isso escrevo sobre o que está acontecendo com a música atual.
   Ouvi na rádio uma música do Charlie Brown Jr, mas não sei o nome dela. Cito, de cabeça, algumas partes que me fizeram raciocinar (e o que não faz?). Segue:
 
"Ame seu pai mesmo se ele for um porco capitalista"
"Eu não sei fazer poesia, mas que se foda"
 
   Certamente a música tem muitos outros "versos", mas dois já são suficientes para provar a minha tese. A primeira frase citada ilustra duas características interessantes a respeito da posição moral da banda e de sua posição política ultrapassada. Em primeiro lugar, a atribuição de "capitalismo" como adjetivo de uma única pessoa, no caso o suposto pai, indica que existe pessoas "capitalistas" e "não-capitalistas", e que esse sistema se baseia no exercício de algumas poucas pessoas, as detentoras de poder e dinheiro. Essa idéia pode ser válida, mas questionável nos tempos de hoje. O capitalismo não pode ser apresentado somete com esse aspecto unilateral, sem questionar o que realmente ele significa para o "filho" do "pai capitalista". Ele é o mundo, é nele que vivemos, e é impossível ficar fora dele. A música em questão trata o capitalismo apenas como exercício de algumas pessoas "porcas", excluindo uma das principais características do capitalismo, que é atingir a tudo e a todos. Existe uma crítica ao capitalismo, e isso é o segundo ponto sobre essa citação: a hipocrisia. Para isso basta dizer que a mesma banda já fez (ou ainda faz, não sei) comercial para a Coca-Cola. Mas isso eu não preciso dizer muita coisa, pois muitos já devem ter feito essa mesma relação quando ouviram essa música.
   A segunda frase indica o aspecto culturalmente frágil dos músicos, que não são capazes de perceber que a quebra entre "música" e "poesia", no ponto de vista artístico, parece impossível. Ao afirmar que "não sei fazer poesia", a letra indica apenas uma espécie de deficiência, mas nada muito grave. Fazer ou não poesia não é base para nenhum julgamento. Porém, ao terminar essa afirmação, vem a ilustre passagem "mas que se foda", e é justamente aqui que começam os problemas. Essa afirmação indica a total falta de comprometimento com uma "pequena" parte da literatura, que é a poesia. Mais ainda, é como se fosse um filho rejeitando sua mãe, ou um irmão rejeitando o outro irmão, pois a poesia e a música (sonoridade, rima, ritmo, etc) possuem uma grande e íntima relação. Essa declaração é apenas uma prova da incapacidade intelectual de perceber que a própria música é uma poesia. Poderíamos dizer que o músico, ao declarar isso, estaria sendo irônico, mas ao analisar outras partes da música fica difícil afirmar que ele estaria sendo irônico apenas nesse ponto (e o "mas que se foda" também se refere a outras coisas durante a música). Rejeito essa interpretação, pois se a música fosse irônica, teríamos outro "tom" (outras indicações irônicas) , e não uma única singular que escapa do conjunto do todo. Assim sendo, "não sei fazer música, mas que se foda". Primeiro lugar nas rádios.
   Estaria então a música perdida? Pessoas escutando toda hora declarações hipócritas e pseudo-intelectuais não conseguem perceber a decadência que ocorre ao transformar música em produto? Não, a música nacional não está perdida. É inevitável ouvir uma música desse tipo e não fazer relações com outras, e foi o que ocorreu na minha mente. Lembrei de Bling Pigs (SP), e sua crítica social. Porém, ao invés de usar "porco capitalista", eles cantam "sonhos niilistas", o que já indica um amadurecimento muito maior somente nas palavras que são escolhidas na hora de se expressar. Também lembrei de Dead Fish (ES), e seu hardcore pesado com citações em francês (isso mesmo). Pensei no CPM22 (SP) e, apesar de achar as letras horríveis, não consegui identificar nenhum posicionamento hipócrita ou culturalmente frágil da banda (que só fazem músiquinhas bestas, mas são sinceros nisso). Pensei nas bandas internacionais, e no tom revoltante de Pennywise (EUA), ou irônico do NOFX (EUA). Possíveis influências do próprio Charlie Brown Jr (Pennywise é certeza, li em entrevista). Pensei mais: Diesel Boy (EUA), que consegue citar cinema, literatura e sexo em uma mesma música (o que fica bem interessante). Mas a minha principal referência foi Rancid (EUA), que certamente deveria ser uma referência para o Charlie Brown, mas não é. Em um determinada música (Arrested in Shanghai, se não me engano), Rancid conta uma história sobre um homem, em primeira pessoa, que batalha contra a violência e tudo o mais que ele acha certo. Inevitalmente ele é preso, e na cela ele fica pensativo... Mas ainda luta, usando sua única arma: a poesia. Ironicamente, Rancid é uma banda de punk-rock (com influências de ska) muito respeitada mundialmente, e realmente é interessante salientar esse outro lado.
   Fiquei no meio, pensando sobre a música do Charlie Brown que havia ouvido no rádio um pouco antes, ao mesmo tempo que escutava Rancid deitado na minha cama. Dei risada para mim mesmo, e notei que ainda existem coisas boas sendo feitas por aí... Pensei no tal de Chorão, e realmente entendi o motivo desse apelido (ou dei outro significado). Em suas músicas ele não faz outra coisa, só chora.
 
PS.: Não citei Belle And Sebastian nem Dandy Warhols por querer ficar no mesmo ambiente musical. Essas duas bandas são mais "alternativas", fugindo um pouco do estilo que procurei abordar, mas são bons exemplos do que a música pode significar culturalmente.

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